segunda-feira, 1 de junho de 2020

Resumo do livro "Como funciona o fascismo: a política do "nós" e "eles"" de Jason Stanley

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”; tradução Bruno Alexander. – 1. ed. – Porto Alegre [RS]: L&PM, 2018. 208 p.
Introdução
- O autor destaca que na década de 1930, figuras como Charles Lindbergh eram racistas. Não à toa ele foi a principal figura do “America First”.  Durante a guerra houve forte controle na entrada de refugiados no país e Steve Banon já declarou que “fazer a América grande novamente” seria levá-la à década de 1930, época em que o país flertou fortemente com o fascismo.
- Análise da ascensão de políticos de inspiração fascista na Índia, Turquia e EUA.
- “A política fascista não conduz necessariamente a um estado explicitamente fascista, mas é perigosa de qualquer maneira.” (7).
- “Os perigos da política fascista vêm da maneira específica como ela desumaniza segmentos da população. Ao excluir esses grupos, limita a capacidade de empatia entre outros cidadãos, levando à justificação do tratamento desumano, da repressão da liberdade, da prisão em massa e da expulsão, até, em casos extremos, o extermínio generalizado.” (7).
- “O sintoma mais marcante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma população em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos envolvem tal divisão. Por exemplo, a política comunista utiliza como arma as divisões de classe. Para fazer uma descrição da política fascista é necessário descrever a maneira muito específica pela qual a política fascista distingue “nós” de “eles”, apelando para distinções étnicas, religiosas ou raciais, e usando essa divisão para moldar a ideologia e, em última análise, a política. Todo o mecanismo da política fascista trabalha para criar ou solidificar essa distinção.” (7-8).
- “Os políticos fascistas justificam suas ideias ao aniquilar um senso comum de história, criando um passado mítico para respaldar sua visão do presente. Eles reescrevem a compreensão geral da população sobre a realidade distorcendo a linguagem da idealização por meio da propaganda e promovendo o antiintelectualismo, atacando universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias. Depois de um tempo, com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar do debate fundamentado.” (8).
1 – O passado mítico
- “Mas há uma estrutura comum a todas as mitificações fascistas. Em todos os passados míticos fascistas, uma versão extrema da família patriarcal reina soberana, mesmo que há poucas gerações.” (10).
- “Na retórica de nacionalistas extremos, esse passado glorioso foi perdido pela humilhação provocada pelo globalismo, pelo cosmopolitismo liberal e pelo respeito por “valores universais”, como a igualdade. Esses valores, supostamente, enfraqueceram a nação diante de desafios reais e ameaçadores para sua existência.” (10).
- O próprio Mussolini em congresso do PNF em Nápoles em 1922 disse que passado mítico era uma invenção para justificar a construção do modelo por ele desejado: autoritário, hierárquico e racista”. (11).
- “O BJP é descendente do braço político-institucional do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), um partido nacionalista hindu de extrema-direita que defendia a supressão de minorias não hindus. Nathuram Godse, o homem que assassinou Gandhi, era membro do RSS, assim como o atual primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. O RSS foi explicitamente influenciado pelos movimentos políticos fascistas europeus, e seus principais políticos viviam elogiando Hitler e Mussolini no final das décadas de 1930 e 1940.” (16).
- “O objetivo estratégico dessas construções hierárquicas da história é deslocar a verdade, e a invenção de um passado glorioso inclui o apagamento de realidades inconvenientes. Enquanto a política fascista fetichiza o passado, nunca é o passado real que é fetichizado. Essas histórias inventadas também diminuem ou extinguem completamente os pecados passados da nação. Os políticos fascistas costumam apresentar a história real de um país em termos conspiratórios, como uma narrativa forjada por elites liberais e cosmopolitas para vitimizar o povo da verdadeira “nação”. Nos Estados Unidos, os monumentos confederados surgiram bem depois do fim da Guerra Civil como parte de uma história mitificada de um heroico passado do Sul, no qual os horrores da escravidão eram abrandados. O presidente Trump denunciou o esforço de ligar esse passado mitificado à escravidão como uma tentativa de vitimizar os americanos brancos por celebrarem sua “herança”.” (16).
- Uma das alegações utilizadas para interromper o período da “Reconstrução” nos EUA (1865-1877) foi a de que “negros não sabiam se autogovernar” e que aquele havia sido um “período de extrema corrupção”. Na verdade, os brancos do Sul e elites do Norte se uniram para tirar direitos dos negros pelo medo de que eles se unissem aos brancos pobres formando um forte e organizado movimento trabalhista.
2 – Propaganda
- “Movimentos fascistas têm “drenado pântanos” por gerações. Divulgar falsas acusações de corrupção enquanto se envolve em práticas corruptas é típico da política fascista, e as campanhas anticorrupção estão frequentemente no centro dos movimentos políticos fascistas. Políticos fascistas geralmente condenam a corrupção no Estado que querem assumir, o que é bizarro, uma vez que os próprios políticos fascistas são invariavelmente muito mais corruptos do que aqueles que eles procuram suplantar ou derrotar.” (22).
- “Corrupção, para o político fascista, consiste na corrupção da pureza, e não da lei. Oficialmente, as denúncias de corrupção do político fascista soam como uma denúncia de corrupção política. Mas essa conversa pretende evocar a corrupção no sentido da usurpação da ordem tradicional. Foram acusações fabricadas de corrupção que levaram ao fim da Reconstrução. Como W.E.B. Du Bois escreve em Black Reconstruction, “o centro da acusação de corrupção [...] era, na verdade, que os pobres estavam governando e taxando os ricos”. (23).
- “Os Estados fascistas concentram-se em desarticular o Estado de direito, com o objetivo de substituí-lo pelos ditames de governantes individuais ou chefes de partido. É padrão na política fascista que as duras críticas a um poder judiciário independente ocorram na forma de acusações de parcialidade, um tipo de corrupção, críticas que, então, são usadas para substituir juízes independentes por aqueles que empregarão cinicamente a lei como um meio de proteger os interesses do partido no poder. A recente e rápida transição de certos Estados democráticos aparentemente bem-sucedidos, como a Hungria e a Polônia, para governos não democráticos tornou particularmente notável essa tática de enfraquecer o poder judiciário independente, já que ambos os países introduziram leis para substituir juízes independentes por partidários logo após os regimes antidemocráticos tomarem o poder. Oficialmente, a justificativa era que as práticas anteriores de neutralidade judicial eram uma máscara para o preconceito contra o partido governante.7 Em nome de erradicar a corrupção e a suposta parcialidade, os políticos fascistas atacam e diminuem as instituições que, de outro modo, poderiam cercear seu poder.” (24)
3 – O anti-intelectualismo
- Os argumentos do Escola Sem Partido são uma cópia do que a extrema-direita estadunidense defende.
- Chamar qualquer tema que vá contra a cultura que o fascista quer impor é considerado “marxismo”. O tema é usado, independente da situação como forma de demonizar.
- Os ataques ocorrem principalmente às universidades, mas professores progressistas do ensino básico também são vítimas.
- A extrema-direita, gosta de defender que todos devem ter voz no meio universitário. Será mesmo que qualquer absurdo deve ter voz?
- “Ninguém acha que a liberdade de investigação exija a inclusão, nas faculdades universitárias, de pesquisadores que busquem demonstrar que a Terra é plana. Tal posição é infrutífera, conforme determinamos por meio de investigação científica conclusiva. Mesmo o mais convicto defensor da liberdade de expressão não afirma que devemos gastar preciosos recursos universitários nessa questão. Adicionar alguém que diz que a Terra é plana impediria a investigação objetiva. Da mesma forma, posso rejeitar a ideologia do Estado Islâmico de maneira segura e justificada sem ter de confrontar seus defensores na sala de aula ou na sala dos professores. Não preciso ter um colega que defende a visão de que o povo judeu é geneticamente predisposto à ganância para, justificadamente, rejeitar esse absurdo antissemita. Nem é remotamente plausível que a inclusão dessas vozes ao corpo docente da faculdade fosse ajudar a argumentar contra essas ideologias tóxicas. O mais provável é que isso prejudicasse o debate inteligente, levando a falhas de comunicação e discussões aos gritos.” (35).
- “A política fascista procura degradar e rebaixar a linguagem da política; a política fascista procura, assim, mascarar a realidade.” (38).
- “Um princípio central da política fascista é que o objetivo da oratória não deve ser convencer o intelecto, mas influenciar a vontade. O autor anônimo de um artigo de uma revista fascista italiana de 1925 escreve: “O misticismo do fascismo é a prova do seu triunfo. O raciocínio não atrai, a emoção sim”. (39).
4 – Irrealidade
- “A política fascista substitui o debate fundamentado por medo e raiva.” (41).
- “As teorias da conspiração não atuam como informações comuns; elas são, afinal, muitas vezes tão estranhas que dificilmente se pode esperar que as pessoas acreditem nelas literalmente. Sua função é, antes, levantar suspeitas gerais sobre a credibilidade e a decência de seus alvos. As teorias conspiratórias são um mecanismo fundamental utilizado para deslegitimar a grande mídia, que os políticos fascistas acusam de parcialidade por não cobrir falsas conspirações.” (41-42).
- “O objetivo das conspirações é causar desconfiança generalizada e paranoia, justificando medidas drásticas, como censurar ou fechar a mídia “liberal” e aprisionar os “inimigos do Estado”. (44).
- O fato de a mídia não dar espaços para teorias da conspiração (justamente por serem bizarras) é usado pelo fascista como argumento de que ela existe e a “mídia vendida” não cobre.
- As pessoas muitas vezes se deixam levar mais pela imaginação do que pelo que elas aprenderam em instituições escolares ou mesmo nas experiências práticas de vida.
- “[...] a conversação não é usada apenas para comunicar informações. A conversação também é usada para bloquear perspectivas, intensificar medos e aumentar o preconceito.” (46).
- “Mas na política, e mais notadamente na política fascista, a linguagem não é usada simplesmente para transmitir informações, mas para provocar emoção. O argumento do modelo do “mercado aberto de ideias” para a liberdade de expressão funciona somente se a disposição subjacente da sociedade é aceitar a força da razão sobre o poder dos ressentimentos irracionais e do preconceito. Se a sociedade é dividida, no entanto, um político demagógico pode explorar essa divisão usando a linguagem para semear o medo, acentuar o preconceito e pedir vingança contra membros de grupos odiados. Tentar contrariar tal retórica com a razão é semelhante ao uso de um panfleto contra uma pistola.” (47).
- “A política fascista procura destruir as relações de respeito mútuo entre cidadãos, que são a base de uma democracia liberal saudável, substituindo-as, em última instância, pela confiança apenas numa figura, o líder.” (48).
- A igualdade liberal existe num cenário de desigualdade econômica, mas quanto a desigualdade atinge níveis gritantes, a estratégia para manter o status quo, passa a ser a hierarquia.
5 – Hierarquia
- “Para o fascista, o princípio da igualdade é uma negação da lei natural, que estabelece certas tradições, das mais poderosas, sobre outras. A lei natural supostamente coloca homens acima de mulheres, e membros da nação escolhida do fascista acima de outros grupos.” (54).
- Steven Pinker é um entusiasta de uma “neociência racial” ao dizer, por exemplo, que judeus asquenazes seriam mais inteligentes que a média.
- “Em sua corrida para a presidência, Trump explorou a longa história de se classificar os americanos numa hierarquia de valor por raça, os “merecedores” versus os “não merecedores”. Quando pressionados por jornalistas a justificar a distinção entre “merecedores” e “não merecedores”, os americanos que usam esse vocabulário conseguem explicar a diferença em termos de “trabalhadores” versus “preguiçosos”, não de distinção racial. Mas isso dificilmente justifica a divisão dos concidadãos em tais categorias. Primeiro, nos Estados Unidos, o racismo muitas vezes assumiu a forma de associar a negritude com a preguiça. Essa linguagem sempre foi um código para a divisão por hierarquia racial. Em segundo lugar, revela confusão sobre o conceito de democracia liberal, de medir o merecimento com a régua de uma suposta capacidade de trabalho árduo.” (55).
- “O movimento America First, de Lindbergh, repudiava os ideais liberais, considerando que eles provocavam a poluição do “sangue puro” da nação branca via imigração.” (58).
- O fascista não só defende a naturalização da desigualdade como amedronta o cidadão médio com as ameaças de um “invasor” que vai lhe roubar privilégios como um mulçumano, um negro ou uma mulher que queira quebrar o patriarcado.
- Criticam o liberalismo, justamente por que ele abre espaço para grupos que anteriormente não tinham voz passem a ter.
6 – Vitimização
- O nacionalismo fruto da opressão, como as lutas anticoloniais, ou o sionismo não podem ser enquadrados como fascistas, pois eles lutam justamente contra algum tipo de domínio e/ou preconceito e visam acabar com ele.
-“[...] o nacionalismo fascista é um repúdio ao ideal democrático liberal; é o nacionalismo a serviço da dominação, com o objetivo de preservar, manter ou conquistar uma posição no topo de uma hierarquia de poder e status.” (63).
- É compreensível que o cidadão médio sinta certo incômodo ao perceber que sua religião não é mais a dominante, que a sua cultura também não é ou que nos filmes e programas ele veja pessoas que fisicamente não se pareça com ele. Mas a tendência é se acostumar. Entretanto o fascista manipula esse sentimento e o transforma em perda, ódio, etc.
- A crença na meritocracia e o ódio em fracassar nesse sistema, leva os seus defensores a culpar mulheres, negros ou qualquer minoria, quando o problema é a ideia em si de meritocracia.
- Um nacionalismo nascido na opressão também pode ser cooptado pelo fascismo. Como exemplo podemos usar os dos judeus que hoje defendem a opressão dos palestinos.
7 – Lei e ordem
- “Políticos que descrevem categorias inteiras de pessoas como “criminosos” impõem a elas traços permanentes de caráter que são assustadores para a maioria das pessoas, ao mesmo tempo em que se posicionam como nossos protetores. Tal linguagem prejudica o processo democrático de tomada de decisão razoável, substituindo-o por medo.” (73).
- A forma de classificar o que determinados grupos faz também é um exemplo de manipulação do discurso da ordem. Nos EUA, por exemplo, reinvindicações de brancos são taxadas de “protestos”. Quando se trata de negros, viram principalmente na mídia de extrema direita “tumultos”.
- “Discussões que usam termos como “criminoso” para abranger tanto aqueles que cometem diversos homicídios por prazer quanto aqueles que cometem infrações de trânsito, ou “tumulto” para descrever um protesto político, mudam atitudes e moldam a política. Um bom exemplo do que pode acontecer quando a linguagem que criminaliza um grupo inteiro de pessoas distorce o debate e leva a resultados irracionais é o encarceramento em massa de cidadãos americanos de ascendência africana. Em 1980, meio milhão de americanos estava na prisão ou na cadeia. Em 2013, havia mais de 2,3 milhões. A explosão do encarceramento afetou desproporcionalmente os cidadãos americanos que são descendentes daqueles que foram escravizados neste país. Os americanos brancos constituem 77% da população dos EUA, e os americanos negros, 13%. No entanto, mais americanos negros são encarcerados do que americanos brancos. Raramente na história um grupo representou tão grande parte da população carcerária do mundo; os americanos negros podem ser apenas 13% da população dos EUA, mas representam 9% da população carcerária do mundo.” (74).
- “Nos Estados Unidos, o aumento acentuado dos índices de encarceramento acompanhou uma queda acentuada do crime. Num ensaio de 2017, “The Impacts of Incarceration on Crime” [Os impactos do encarceramento no crime], seu autor, David Roodman, observa que “o aumento de 59% no encarceramento entre 1990 e 2010 acompanhou uma queda de 42% nos crimes indexados pelo FBI”. E, no entanto, como Roodman bem observa, “os pesquisadores concordam que colocar mais pessoas atrás das grades contribuiu modestamente, na melhor das hipóteses, para a diminuição do crime”. Por um lado, o Canadá teve um padrão muito semelhante ao dos Estados Unidos, com uma queda vertiginosa nas taxas de criminalidade desde a década de 1990. No entanto, a taxa de encarceramento do Canadá não acompanhou a escalada da experiência americana de encarceramento em massa que continuou durante os anos 90. Se há uma explicação para a queda geral da criminalidade na América do Norte desde 1990 que explica a diminuição similar de crimes nos EUA e no Canadá, não é o aumento do encarceramento. A principal razão pela qual muitos pesquisadores duvidam de uma relação entre um aumento no encarceramento e uma queda nas taxas de criminalidade é porque os estudos indicam que o próprio encarceramento contribui substancialmente para um aumento nas taxas de criminalidade. Indivíduos que já foram encarcerados têm muito mais dificuldade de encontrar emprego; esse efeito é multiplicado, como veremos no capítulo final, no caso dos negros americanos. Cidadãos anteriormente encarcerados também têm uma taxa de participação cívica drasticamente menor; eles acabam se afastando da sociedade civil. O encarceramento também tem um impacto negativo nas famílias dos encarcerados, aumentando a probabilidade de subsequente encarceramento. Negros americanos enfrentam maior risco de encarceramento em comparação com os brancos pelo mesmo crime, como evidenciado, por exemplo, nas taxas muito diferentes de encarceramento por crimes de drogas. Estudos também sugerem que o próprio encarceramento leva ao crime – Roodman sintetiza esse efeito dizendo: “Mais tempo na prisão, mais crime após a prisão”.” (75).
- Até mesmo Trump reconhece que há um grave problema social na crise dos opiáceos nos EUA. Mas por quê? Porque atinge principalmente brancos pobres. O problema do crack por exemplo, que atinge mais negros é “caso de polícia”.
- Houve uma construção no final do século XIX de que os negros eram naturalmente mais violentos. Esse racismo científico foi requentado na década de 1990 e provavelmente foi o culpado pelo encarceramento de muitos adolescentes e jovens e negros, mesmo em tempos de queda da violência.
- Crimes como o estupro também são mais associados a determinadas etnias.
8 – Ansiedade sexual
- “A propaganda fascista promove o medo de cruzar e misturar raças, de corromper a nação pura – nas palavras de Charles Lindbergh, falando para o movimento America First – com “sangue inferior”. A propaganda fascista amplia esse medo ao sexualizar a ameaça do outro. Como a política fascista tem, na sua base, a tradicional família patriarcal, ela é naturalmente acompanhada de pânico sobre os desvios dessa família patriarcal. Transgêneros e homossexuais são usados para aumentar a ansiedade e o pânico sobre a ameaça aos papéis masculinos tradicionais.” (80).
- Na década de 1920, foram espalhadas notícias de que soldados franceses negros estariam estuprando alemãs no Reno. A falsa notícia serviu para mobilizar 12.000 pessoas na Times Square em “protesto de solidariedade”.
- Tanto Hitler quanto a Klu Klux Klan espalhavam que judeus estavam associados com os negros numa campanha de estupro em massa de mulheres brancas com o intuito de “sujar a raça”.
- “A prática de linchar homens negros nos Estados Unidos justificava-se alegando a necessidade de defender a pureza das mulheres americanas brancas; nas palavras da historiadora Cristal Feimster, “os homens brancos do Sul [mobilizaram ativamente] a imagem do estuprador negro para obterem vantagem política”. (81).
- A feminista estadunidense Rebecca Felton, que foi a 1ª senadora da história do país em 1922 era favorável ao linchamento de negros. Já a missionária Ida Wells era uma militante antilinchamento.
- O massacre rohingya em Myanmar em 2017 tem a sua origem no estupro de uma moça budista por um grupo de mulçumanos em 2012. Esse caso foi superdimensionado e teorias da conspiração começaram a serem criadas.
- “Destacar supostas ameaças à capacidade dos homens de proteger suas mulheres e filhos resolve um problema político difícil para os políticos fascistas. Na democracia liberal, um político que atente explicitamente contra a liberdade e a igualdade não receberá muito apoio. A política da ansiedade sexual é uma maneira de contornar essa questão, em nome da segurança; é uma maneira de atacar e minar os ideais da democracia liberal sem ser vista explicitamente como um ataque. Ao empregar a política da ansiedade sexual, um líder político apresenta, ainda que indiretamente, a liberdade e a igualdade como ameaças. A expressão da identidade de gênero ou preferência sexual é um exercício de liberdade. Ao apresentar homossexuais ou mulheres transexuais como uma ameaça a mulheres e crianças – e, por extensão, à capacidade dos homens de protegê-las –, a política fascista impugna o ideal liberal de liberdade. O direito de uma mulher de fazer um aborto é também um exercício de liberdade. Ao apresentar o aborto como uma ameaça às crianças – e ao controle dos homens sobre elas –, a política fascista impugna o ideal liberal de liberdade.” (86).
9 – Sodoma e Gomorra
- É comum os fascistas compararem cidades cosmopolitas e progressistas como Sodoma e Gomorra, cidades citadas na Bíblia que foram destruídas por Deus por causa dos seus pecados, possivelmente a homossexualidade.
- A força que o agronegócio ganhou no Brasil pode ter relação com essa imagem de que a zona rural é “pura” em comparação com as cidades cosmopolitas?
- Pode fazer sentido se pensarmos que o Sul e o Centro Oeste em peso votaram em Bolsonaro e compararmos com Marine Le Pen, que teve desempenho ridículo em Paris, mas grande votação nas soma das pequenas cidades rurais, o que a levaram para o 2º turno. Trump também fez sucesso em cidades e estados predominantemente rurais.
- “A política fascista dirige sua mensagem à população fora das grandes cidades, para quem é mais lisonjeira, ressoando melhor em tempos de globalização, quando o poder econômico passa para as grandes áreas urbanas enquanto centros de uma economia global emergente, como ocorreu na década de 1930 na Europa. A política fascista sublinha os danos que uma economia globalizada causa nas áreas rurais, somando a isso um foco nos tradicionais valores rurais de autossuficiência supostamente ameaçados pelo sucesso das cidades liberais, tanto do ponto de vista cultural quanto econômico.” (90-91).
- “Na ideologia fascista, a vida rural é guiada por um ethos de autossuficiência, o que gera força. Nas comunidades rurais, não é preciso depender do Estado, ao contrário dos “parasitas” da cidade.” (93).
Arbeit Macht Frei
- Dentro da lógica do nós x eles fascista os outros nunca devem receber nada do líder. Isso explica fato de em 2017 Houston e Porto Rico terem sido atingidas por um furacão, mas só a 1ª foi imediatamente atendida, e o pior, com habitantes de Houston achando justo que seus compatriotas de Porto Rico sequer recebessem ajuda.
- Aqui no Brasil isso pode ser percebido em entrevistas como a de Regina Duarte dizendo que apenas quem tiver em consonância ideológica com o governo escolhido por uma parte dos brasileiros receberiam verba da sua Secretaria Especial de Cultura, ou na fala de Bolsonaro de não dar nada para aquele governador “Paraíba” ou ainda na estranha retenção de verbas do Bolsa Família para o Nordeste.
- “Na ideologia fascista, em tempos de crise e necessidade, o Estado reserva apoio para os membros da nação escolhida, para “nós” e não para “eles”. A justificativa é invariavelmente porque “eles” são preguiçosos, carecem de uma ética de trabalho, e não lhes podem ser confiados fundos estatais, além de que “eles” são criminosos e querem viver somente da generosidade do Estado. Na política fascista, “eles” podem ser curados da preguiça e do roubo com trabalho duro. É por isso que os portões de Auschwitz e Buchenwald exibiam o slogan ARBEIT MACHT FREI – o trabalho liberta.” (97).
- “A solução era desarticular o Estado e substituí-lo pela nação. Em contraste com o Estado, a nação é desprovida de mecanismos como “bem-estar social”, que, segundo Hitler, priva os indivíduos de sua capacidade de independência econômica. O Estado representava a redistribuição da riqueza dos cidadãos trabalhadores para minorias que “não merecem”, fora da comunidade étnica ou religiosa dominante, que se aproveitaria dos primeiros.” (98).
- Quanto refugiados chegam, precisam de moradia, comida, aprender a língua local, talvez algum ofício. Para o fascista isso é prova de que ele é um parasita.
- O fascista cria condições para que suas mentiras se tornem verdade. Por exemplo, os nazistas acusavam os judeus de mendigos exploradores. Eles não eram, até que tiveram seus bens retirados. Na Tchecoslováquia ocupada ocorreu o mesmo, assim como em Myanmar com os rohingyas.
- Outro exemplo foi Richard Nixon. Nos governos Kennedy e Johnson foram desenvolvidas políticas de assistência social e qualificação da população negra. O número de presidiários estava diminuindo. A partir de 1969, Nixon cortou esses programas e investiu no encarceramento em massa. Pobres, perseguidos pela polícia e sem chance de conseguirem bons empregos o que ocorreu com os negros? Lotaram as prisões e os fascistas de plantão usaram isso para reforçar o argumento usado no século XIX para justificar a escravidão de que negros eram preguiçosos, não se esforçavam, etc.
- O filósofo Lewis Gordon chama de “má-fé” o fato de políticos ou pessoas influentes em geral apostarem em estratégias comprovadamente fracassadas como o encarceramento em massa. A “má-fé” seria uma característica fascista.
- “Um obstáculo para o tipo de divisões entre nós/eles descrito acima é a unidade e a empatia intraclasses, exemplificadas nos sindicatos. Nos sindicatos em funcionamento, os cidadãos brancos da classe trabalhadora se identificam com os cidadãos negros da classe trabalhadora, em vez de se ressentirem deles. Os políticos fascistas entendem a eficácia que essa solidariedade tem em resistir às políticas de divisão e, portanto, procuram desarticular os sindicatos. Apesar de condenar as “elites”, a política fascista procura minimizar a importância da luta de classes. [...]De acordo com a política fascista, os sindicatos devem ser esmagados para que os trabalhadores individuais tenham que se virar sozinhos no mar do capitalismo global e passem a depender de um partido ou líder.” (104-105).
- Hitler dedicou um capítulo inteiro de Mein Kampf para atacar os sindicatos.
- Estudo da OCDE de 2013 apontou que países com alta filiação a sindicatos como os da Escandinávia de baixa desigualdade, algo odiado pelos fascistas.
- Já EUA, México, Turquia e Chile, altamente desiguais, tem baixa taxa de sindicalização.
- “Como o fascismo prospera em condições de incerteza econômica, onde o medo e o ressentimento podem ser mobilizados para colocar os cidadãos uns contra os outros, os sindicatos de trabalhadores se protegem contra a possibilidade de a política fascista criar um ponto de apoio para se desenvolver.” (106).
- “Hoje, a lei do “direito ao trabalho” foi aprovada em 28 estados dos EUA e, no momento em que este texto está sendo escrito, ameaça ser validado pela Suprema Corte, pelo menos para os sindicatos públicos. Essas leis proíbem os sindicatos de cobrar taxas de funcionários que não desejam pagá-las, ao mesmo tempo em que exigem que os sindicatos forneçam aos empregados que não optarem por pagar as taxas representação e direitos sindicais iguais. Essa lei visa destruir os sindicatos, removendo seu acesso a apoio financeiro. “Direito ao trabalho” é um nome orwelliano para uma legislação que ataca a capacidade dos trabalhadores de negociar coletivamente, roubando-lhes a voz. Após a aprovação das leis de direito ao trabalho nos bastiões do Centro-Oeste da mão de obra americana – Wisconsin e Michigan –, a política dos estados inclinou-se bastante para a direita, sobretudo durante a campanha presidencial 2016 [...]” (106).
- “Os cidadãos com deficiência foram considerados desprovidos de valor, porque o valor na ideologia nacional-socialista surgiu do valor de suas contribuições para a sociedade através do trabalho. Na ideologia nazista, aqueles que dependiam do Estado para sua sobrevivência não tinham valor algum.” (108).
- “A visão fascista da liberdade individual é semelhante à noção libertária de direitos individuais: o direito de competir, mas não necessariamente de ter sucesso ou mesmo de sobreviver.” (109).
- “Hitler viu na iniciativa privada princípios que se alinhavam com sua própria ideologia. O princípio da meritocracia, pelo qual “o grande homem” é recompensado pela excelência com uma posição de liderança, atraiu-o; os fortes devem justamente governar os fracos. A meritocracia, para Hitler, respaldava o importantíssimo princípio de liderança do nacional-socialismo. Locais de trabalho privados são organizados hierarquicamente, com uma estrutura de comando que envolve um CEO, que dá ordens (o fato de que o CEO responde a um conselho de administração é um detalhe normalmente ignorado na política fascista).” (110).
- “Todas as instituições humanas são falhas em algum grau, inclusive os sistemas de bem-estar social e os sindicatos de trabalhadores. Mas ao criticar as falhas de qualquer instituição, é importante perguntar o que se perderia em sua ausência.” (110).
Epílogo
- “Os mecanismos da política fascista apoiam-se uns nos outros, tecendo um mito de diferenciação entre “nós” e “eles”, com base num passado fictício romantizado, em que há “nós”, mas não “eles”, e num ressentimento em relação a uma elite liberal corrupta, que se apropria de nosso suado dinheiro e ameaça nossas tradições. “Eles” são criminosos preguiçosos com quem a liberdade seria desperdiçada (e que, de todo modo, não a merecem). “Eles” mascaram seus objetivos destrutivos com a linguagem do liberalismo, ou da “justiça social”, e estão destinados a destruir nossa cultura e tradições, fazendo com que “nós” nos tornemos fracos. “Nós” somos diligentes e cumpridores da lei, tendo conquistado nossas liberdades por meio do trabalho; “eles” são indolentes, perversos, corruptos e decadentes. A política fascista transita em delírios que criam esse tipo de falsas distinções entre “nós” e “eles”, independentemente de realidades óbvias.” (114).
- Temos que tomar cuidado com a normalização da barbárie, inclusive da parte de quem luta contra ela. Não é porque “a situação está ruim, mas podia ser pior” que temos que aceitar.





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