STANLEY,
Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”; tradução Bruno
Alexander. – 1. ed. – Porto Alegre [RS]: L&PM, 2018. 208 p.
Introdução
- O autor destaca que
na década de 1930, figuras como Charles Lindbergh eram racistas. Não à toa ele
foi a principal figura do “America First”.
Durante a guerra houve forte controle na entrada de refugiados no país e
Steve Banon já declarou que “fazer a América grande novamente” seria levá-la à
década de 1930, época em que o país flertou fortemente com o fascismo.
- Análise da ascensão
de políticos de inspiração fascista na Índia, Turquia e EUA.
- “A política fascista
não conduz necessariamente a um estado explicitamente fascista, mas é perigosa
de qualquer maneira.” (7).
- “Os perigos da
política fascista vêm da maneira específica como ela desumaniza segmentos da
população. Ao excluir esses grupos, limita a capacidade de empatia entre outros
cidadãos, levando à justificação do tratamento desumano, da repressão da
liberdade, da prisão em massa e da expulsão, até, em casos extremos, o
extermínio generalizado.” (7).
- “O sintoma mais
marcante da política fascista é a divisão. Destina-se a dividir uma população
em “nós” e “eles”. Muitos tipos de movimentos políticos envolvem tal divisão.
Por exemplo, a política comunista utiliza como arma as divisões de classe. Para
fazer uma descrição da política fascista é necessário descrever a maneira muito
específica pela qual a política fascista distingue “nós” de “eles”, apelando
para distinções étnicas, religiosas ou raciais, e usando essa divisão para
moldar a ideologia e, em última análise, a política. Todo o mecanismo da
política fascista trabalha para criar ou solidificar essa distinção.” (7-8).
- “Os políticos
fascistas justificam suas ideias ao aniquilar um senso comum de história,
criando um passado mítico para respaldar sua visão do presente. Eles reescrevem
a compreensão geral da população sobre a realidade distorcendo a linguagem da
idealização por meio da propaganda e promovendo o antiintelectualismo, atacando
universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias.
Depois de um tempo, com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um
estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas
tomam o lugar do debate fundamentado.” (8).
1
– O passado mítico
- “Mas há uma estrutura
comum a todas as mitificações fascistas. Em todos os passados míticos
fascistas, uma versão extrema da família patriarcal reina soberana, mesmo que
há poucas gerações.” (10).
- “Na retórica de
nacionalistas extremos, esse passado glorioso foi perdido pela humilhação
provocada pelo globalismo, pelo cosmopolitismo liberal e pelo respeito por
“valores universais”, como a igualdade. Esses valores, supostamente,
enfraqueceram a nação diante de desafios reais e ameaçadores para sua
existência.” (10).
- O próprio Mussolini
em congresso do PNF em Nápoles em 1922 disse que passado mítico era uma
invenção para justificar a construção do modelo por ele desejado: autoritário,
hierárquico e racista”. (11).
- “O BJP é descendente
do braço político-institucional do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), um
partido nacionalista hindu de extrema-direita que defendia a supressão de
minorias não hindus. Nathuram Godse, o homem que assassinou Gandhi, era membro
do RSS, assim como o atual primeiro-ministro indiano, Narendra Modi. O RSS foi
explicitamente influenciado pelos movimentos políticos fascistas europeus, e
seus principais políticos viviam elogiando Hitler e Mussolini no final das
décadas de 1930 e 1940.” (16).
- “O objetivo
estratégico dessas construções hierárquicas da história é deslocar a verdade, e
a invenção de um passado glorioso inclui o apagamento de realidades
inconvenientes. Enquanto a política fascista fetichiza o passado, nunca é o
passado real que é fetichizado. Essas histórias inventadas também diminuem ou
extinguem completamente os pecados passados da nação. Os políticos fascistas
costumam apresentar a história real de um país em termos conspiratórios, como
uma narrativa forjada por elites liberais e cosmopolitas para vitimizar o povo
da verdadeira “nação”. Nos Estados Unidos, os monumentos confederados surgiram
bem depois do fim da Guerra Civil como parte de uma história mitificada de um
heroico passado do Sul, no qual os horrores da escravidão eram abrandados. O
presidente Trump denunciou o esforço de ligar esse passado mitificado à
escravidão como uma tentativa de vitimizar os americanos brancos por celebrarem
sua “herança”.” (16).
- Uma das alegações
utilizadas para interromper o período da “Reconstrução” nos EUA (1865-1877) foi
a de que “negros não sabiam se autogovernar” e que aquele havia sido um
“período de extrema corrupção”. Na verdade, os brancos do Sul e elites do Norte
se uniram para tirar direitos dos negros pelo medo de que eles se unissem aos
brancos pobres formando um forte e organizado movimento trabalhista.
2
– Propaganda
- “Movimentos fascistas
têm “drenado pântanos” por gerações. Divulgar falsas acusações de corrupção
enquanto se envolve em práticas corruptas é típico da política fascista, e as
campanhas anticorrupção estão frequentemente no centro dos movimentos políticos
fascistas. Políticos fascistas geralmente condenam a corrupção no Estado que
querem assumir, o que é bizarro, uma vez que os próprios políticos fascistas
são invariavelmente muito mais corruptos do que aqueles que eles procuram
suplantar ou derrotar.” (22).
- “Corrupção, para o
político fascista, consiste na corrupção da pureza, e não da lei. Oficialmente,
as denúncias de corrupção do político fascista soam como uma denúncia de
corrupção política. Mas essa conversa pretende evocar a corrupção no sentido da
usurpação da ordem tradicional. Foram acusações fabricadas de corrupção que
levaram ao fim da Reconstrução. Como W.E.B. Du Bois escreve em Black
Reconstruction, “o centro da acusação de corrupção [...] era, na verdade, que
os pobres estavam governando e taxando os ricos”. (23).
- “Os Estados fascistas
concentram-se em desarticular o Estado de direito, com o objetivo de
substituí-lo pelos ditames de governantes individuais ou chefes de partido. É
padrão na política fascista que as duras críticas a um poder judiciário
independente ocorram na forma de acusações de parcialidade, um tipo de
corrupção, críticas que, então, são usadas para substituir juízes independentes
por aqueles que empregarão cinicamente a lei como um meio de proteger os
interesses do partido no poder. A recente e rápida transição de certos Estados
democráticos aparentemente bem-sucedidos, como a Hungria e a Polônia, para
governos não democráticos tornou particularmente notável essa tática de
enfraquecer o poder judiciário independente, já que ambos os países
introduziram leis para substituir juízes independentes por partidários logo
após os regimes antidemocráticos tomarem o poder. Oficialmente, a justificativa
era que as práticas anteriores de neutralidade judicial eram uma máscara para o
preconceito contra o partido governante.7 Em nome de erradicar a corrupção e a
suposta parcialidade, os políticos fascistas atacam e diminuem as instituições
que, de outro modo, poderiam cercear seu poder.” (24)
3
–
O anti-intelectualismo
- Os argumentos do
Escola Sem Partido são uma cópia do que a extrema-direita estadunidense
defende.
- Chamar qualquer tema
que vá contra a cultura que o fascista quer impor é considerado “marxismo”. O
tema é usado, independente da situação como forma de demonizar.
- Os ataques ocorrem
principalmente às universidades, mas professores progressistas do ensino básico
também são vítimas.
- A extrema-direita,
gosta de defender que todos devem ter voz no meio universitário. Será mesmo que
qualquer absurdo deve ter voz?
- “Ninguém acha que a
liberdade de investigação exija a inclusão, nas faculdades universitárias, de
pesquisadores que busquem demonstrar que a Terra é plana. Tal posição é infrutífera,
conforme determinamos por meio de investigação científica conclusiva. Mesmo o
mais convicto defensor da liberdade de expressão não afirma que devemos gastar
preciosos recursos universitários nessa questão. Adicionar alguém que diz que a
Terra é plana impediria a investigação objetiva. Da mesma forma, posso rejeitar
a ideologia do Estado Islâmico de maneira segura e justificada sem ter de
confrontar seus defensores na sala de aula ou na sala dos professores. Não
preciso ter um colega que defende a visão de que o povo judeu é geneticamente
predisposto à ganância para, justificadamente, rejeitar esse absurdo
antissemita. Nem é remotamente plausível que a inclusão dessas vozes ao corpo
docente da faculdade fosse ajudar a argumentar contra essas ideologias tóxicas.
O mais provável é que isso prejudicasse o debate inteligente, levando a falhas
de comunicação e discussões aos gritos.” (35).
- “A política fascista
procura degradar e rebaixar a linguagem da política; a política fascista
procura, assim, mascarar a realidade.” (38).
- “Um princípio central
da política fascista é que o objetivo da oratória não deve ser convencer o
intelecto, mas influenciar a vontade. O autor anônimo de um artigo de uma
revista fascista italiana de 1925 escreve: “O misticismo do fascismo é a prova
do seu triunfo. O raciocínio não atrai, a emoção sim”. (39).
4
– Irrealidade
- “A política fascista
substitui o debate fundamentado por medo e raiva.” (41).
- “As teorias da
conspiração não atuam como informações comuns; elas são, afinal, muitas vezes
tão estranhas que dificilmente se pode esperar que as pessoas acreditem nelas
literalmente. Sua função é, antes, levantar suspeitas gerais sobre a
credibilidade e a decência de seus alvos. As teorias conspiratórias são um
mecanismo fundamental utilizado para deslegitimar a grande mídia, que os
políticos fascistas acusam de parcialidade por não cobrir falsas conspirações.”
(41-42).
- “O objetivo das
conspirações é causar desconfiança generalizada e paranoia, justificando
medidas drásticas, como censurar ou fechar a mídia “liberal” e aprisionar os
“inimigos do Estado”. (44).
- O fato de a mídia não
dar espaços para teorias da conspiração (justamente por serem bizarras) é usado
pelo fascista como argumento de que ela existe e a “mídia vendida” não cobre.
- As pessoas muitas
vezes se deixam levar mais pela imaginação do que pelo que elas aprenderam em
instituições escolares ou mesmo nas experiências práticas de vida.
- “[...] a conversação
não é usada apenas para comunicar informações. A conversação também é usada
para bloquear perspectivas, intensificar medos e aumentar o preconceito.” (46).
- “Mas na política, e
mais notadamente na política fascista, a linguagem não é usada simplesmente
para transmitir informações, mas para provocar emoção. O argumento do modelo do
“mercado aberto de ideias” para a liberdade de expressão funciona somente se a
disposição subjacente da sociedade é aceitar a força da razão sobre o poder dos
ressentimentos irracionais e do preconceito. Se a sociedade é dividida, no entanto,
um político demagógico pode explorar essa divisão usando a linguagem para
semear o medo, acentuar o preconceito e pedir vingança contra membros de grupos
odiados. Tentar contrariar tal retórica com a razão é semelhante ao uso de um
panfleto contra uma pistola.” (47).
- “A política fascista
procura destruir as relações de respeito mútuo entre cidadãos, que são a base
de uma democracia liberal saudável, substituindo-as, em última instância, pela
confiança apenas numa figura, o líder.” (48).
- A igualdade liberal
existe num cenário de desigualdade econômica, mas quanto a desigualdade atinge
níveis gritantes, a estratégia para manter o status quo, passa a ser a hierarquia.
5
– Hierarquia
- “Para o fascista, o
princípio da igualdade é uma negação da lei natural, que estabelece certas
tradições, das mais poderosas, sobre outras. A lei natural supostamente coloca
homens acima de mulheres, e membros da nação escolhida do fascista acima de
outros grupos.” (54).
- Steven Pinker é um
entusiasta de uma “neociência racial” ao dizer, por exemplo, que judeus
asquenazes seriam mais inteligentes que a média.
- “Em sua corrida para
a presidência, Trump explorou a longa história de se classificar os americanos
numa hierarquia de valor por raça, os “merecedores” versus os “não
merecedores”. Quando pressionados por jornalistas a justificar a distinção
entre “merecedores” e “não merecedores”, os americanos que usam esse
vocabulário conseguem explicar a diferença em termos de “trabalhadores” versus
“preguiçosos”, não de distinção racial. Mas isso dificilmente justifica a
divisão dos concidadãos em tais categorias. Primeiro, nos Estados Unidos, o
racismo muitas vezes assumiu a forma de associar a negritude com a preguiça.
Essa linguagem sempre foi um código para a divisão por hierarquia racial. Em
segundo lugar, revela confusão sobre o conceito de democracia liberal, de medir
o merecimento com a régua de uma suposta capacidade de trabalho árduo.” (55).
- “O movimento America
First, de Lindbergh, repudiava os ideais liberais, considerando que eles
provocavam a poluição do “sangue puro” da nação branca via imigração.” (58).
- O fascista não só
defende a naturalização da desigualdade como amedronta o cidadão médio com as
ameaças de um “invasor” que vai lhe roubar privilégios como um mulçumano, um
negro ou uma mulher que queira quebrar o patriarcado.
- Criticam o
liberalismo, justamente por que ele abre espaço para grupos que anteriormente
não tinham voz passem a ter.
6
– Vitimização
- O nacionalismo fruto
da opressão, como as lutas anticoloniais, ou o sionismo não podem ser
enquadrados como fascistas, pois eles lutam justamente contra algum tipo de
domínio e/ou preconceito e visam acabar com ele.
-“[...] o nacionalismo
fascista é um repúdio ao ideal democrático liberal; é o nacionalismo a serviço
da dominação, com o objetivo de preservar, manter ou conquistar uma posição no
topo de uma hierarquia de poder e status.” (63).
- É compreensível que o
cidadão médio sinta certo incômodo ao perceber que sua religião não é mais a
dominante, que a sua cultura também não é ou que nos filmes e programas ele
veja pessoas que fisicamente não se pareça com ele. Mas a tendência é se
acostumar. Entretanto o fascista manipula esse sentimento e o transforma em
perda, ódio, etc.
- A crença na
meritocracia e o ódio em fracassar nesse sistema, leva os seus defensores a
culpar mulheres, negros ou qualquer minoria, quando o problema é a ideia em si
de meritocracia.
- Um nacionalismo
nascido na opressão também pode ser cooptado pelo fascismo. Como exemplo podemos
usar os dos judeus que hoje defendem a opressão dos palestinos.
7
– Lei e ordem
- “Políticos que
descrevem categorias inteiras de pessoas como “criminosos” impõem a elas traços
permanentes de caráter que são assustadores para a maioria das pessoas, ao mesmo
tempo em que se posicionam como nossos protetores. Tal linguagem prejudica o
processo democrático de tomada de decisão razoável, substituindo-o por medo.”
(73).
- A forma de
classificar o que determinados grupos faz também é um exemplo de manipulação do
discurso da ordem. Nos EUA, por exemplo, reinvindicações de brancos são taxadas
de “protestos”. Quando se trata de negros, viram principalmente na mídia de
extrema direita “tumultos”.
- “Discussões que usam
termos como “criminoso” para abranger tanto aqueles que cometem diversos
homicídios por prazer quanto aqueles que cometem infrações de trânsito, ou
“tumulto” para descrever um protesto político, mudam atitudes e moldam a
política. Um bom exemplo do que pode acontecer quando a linguagem que criminaliza
um grupo inteiro de pessoas distorce o debate e leva a resultados irracionais é
o encarceramento em massa de cidadãos americanos de ascendência africana. Em
1980, meio milhão de americanos estava na prisão ou na cadeia. Em 2013, havia
mais de 2,3 milhões. A explosão do encarceramento afetou desproporcionalmente
os cidadãos americanos que são descendentes daqueles que foram escravizados
neste país. Os americanos brancos constituem 77% da população dos EUA, e os
americanos negros, 13%. No entanto, mais americanos negros são encarcerados do
que americanos brancos. Raramente na história um grupo representou tão grande
parte da população carcerária do mundo; os americanos negros podem ser apenas
13% da população dos EUA, mas representam 9% da população carcerária do mundo.”
(74).
- “Nos Estados Unidos,
o aumento acentuado dos índices de encarceramento acompanhou uma queda
acentuada do crime. Num ensaio de 2017, “The Impacts of Incarceration on Crime”
[Os impactos do encarceramento no crime], seu autor, David Roodman, observa que
“o aumento de 59% no encarceramento entre 1990 e 2010 acompanhou uma queda de
42% nos crimes indexados pelo FBI”. E, no entanto, como Roodman bem observa,
“os pesquisadores concordam que colocar mais pessoas atrás das grades
contribuiu modestamente, na melhor das hipóteses, para a diminuição do crime”.
Por um lado, o Canadá teve um padrão muito semelhante ao dos Estados Unidos,
com uma queda vertiginosa nas taxas de criminalidade desde a década de 1990. No
entanto, a taxa de encarceramento do Canadá não acompanhou a escalada da
experiência americana de encarceramento em massa que continuou durante os anos
90. Se há uma explicação para a queda geral da criminalidade na América do
Norte desde 1990 que explica a diminuição similar de crimes nos EUA e no
Canadá, não é o aumento do encarceramento. A principal razão pela qual muitos
pesquisadores duvidam de uma relação entre um aumento no encarceramento e uma
queda nas taxas de criminalidade é porque os estudos indicam que o próprio
encarceramento contribui substancialmente para um aumento nas taxas de
criminalidade. Indivíduos que já foram encarcerados têm muito mais dificuldade
de encontrar emprego; esse efeito é multiplicado, como veremos no capítulo
final, no caso dos negros americanos. Cidadãos anteriormente encarcerados
também têm uma taxa de participação cívica drasticamente menor; eles acabam se
afastando da sociedade civil. O encarceramento também tem um impacto negativo
nas famílias dos encarcerados, aumentando a probabilidade de subsequente
encarceramento. Negros americanos enfrentam maior risco de encarceramento em
comparação com os brancos pelo mesmo crime, como evidenciado, por exemplo, nas
taxas muito diferentes de encarceramento por crimes de drogas. Estudos também
sugerem que o próprio encarceramento leva ao crime – Roodman sintetiza esse
efeito dizendo: “Mais tempo na prisão, mais crime após a prisão”.” (75).
- Até mesmo Trump
reconhece que há um grave problema social na crise dos opiáceos nos EUA. Mas
por quê? Porque atinge principalmente brancos pobres. O problema do crack por
exemplo, que atinge mais negros é “caso de polícia”.
- Houve uma construção
no final do século XIX de que os negros eram naturalmente mais violentos. Esse
racismo científico foi requentado na década de 1990 e provavelmente foi o
culpado pelo encarceramento de muitos adolescentes e jovens e negros, mesmo em
tempos de queda da violência.
- Crimes como o estupro
também são mais associados a determinadas etnias.
8
– Ansiedade sexual
- “A propaganda
fascista promove o medo de cruzar e misturar raças, de corromper a nação pura –
nas palavras de Charles Lindbergh, falando para o movimento America First – com
“sangue inferior”. A propaganda fascista amplia esse medo ao sexualizar a
ameaça do outro. Como a política fascista tem, na sua base, a tradicional
família patriarcal, ela é naturalmente acompanhada de pânico sobre os desvios
dessa família patriarcal. Transgêneros e homossexuais são usados para aumentar
a ansiedade e o pânico sobre a ameaça aos papéis masculinos tradicionais.”
(80).
- Na década de 1920,
foram espalhadas notícias de que soldados franceses negros estariam estuprando
alemãs no Reno. A falsa notícia serviu para mobilizar 12.000 pessoas na Times
Square em “protesto de solidariedade”.
- Tanto Hitler quanto a
Klu Klux Klan espalhavam que judeus estavam associados com os negros numa
campanha de estupro em massa de mulheres brancas com o intuito de “sujar a
raça”.
- “A prática de linchar
homens negros nos Estados Unidos justificava-se alegando a necessidade de
defender a pureza das mulheres americanas brancas; nas palavras da historiadora
Cristal Feimster, “os homens brancos do Sul [mobilizaram ativamente] a imagem
do estuprador negro para obterem vantagem política”. (81).
- A feminista
estadunidense Rebecca Felton, que foi a 1ª senadora da história do país em 1922
era favorável ao linchamento de negros. Já a missionária Ida Wells era uma
militante antilinchamento.
- O massacre rohingya
em Myanmar em 2017 tem a sua origem no estupro de uma moça budista por um grupo
de mulçumanos em 2012. Esse caso foi superdimensionado e teorias da conspiração
começaram a serem criadas.
- “Destacar supostas
ameaças à capacidade dos homens de proteger suas mulheres e filhos resolve um
problema político difícil para os políticos fascistas. Na democracia liberal,
um político que atente explicitamente contra a liberdade e a igualdade não
receberá muito apoio. A política da ansiedade sexual é uma maneira de contornar
essa questão, em nome da segurança; é uma maneira de atacar e minar os ideais
da democracia liberal sem ser vista explicitamente como um ataque. Ao empregar
a política da ansiedade sexual, um líder político apresenta, ainda que
indiretamente, a liberdade e a igualdade como ameaças. A expressão da
identidade de gênero ou preferência sexual é um exercício de liberdade. Ao
apresentar homossexuais ou mulheres transexuais como uma ameaça a mulheres e
crianças – e, por extensão, à capacidade dos homens de protegê-las –, a
política fascista impugna o ideal liberal de liberdade. O direito de uma mulher
de fazer um aborto é também um exercício de liberdade. Ao apresentar o aborto
como uma ameaça às crianças – e ao controle dos homens sobre elas –, a política
fascista impugna o ideal liberal de liberdade.” (86).
9
– Sodoma e Gomorra
- É comum os fascistas
compararem cidades cosmopolitas e progressistas como Sodoma e Gomorra, cidades
citadas na Bíblia que foram destruídas por Deus por causa dos seus pecados,
possivelmente a homossexualidade.
- A força que o
agronegócio ganhou no Brasil pode ter relação com essa imagem de que a zona
rural é “pura” em comparação com as cidades cosmopolitas?
- Pode fazer sentido se
pensarmos que o Sul e o Centro Oeste em peso votaram em Bolsonaro e compararmos
com Marine Le Pen, que teve desempenho ridículo em Paris, mas grande votação
nas soma das pequenas cidades rurais, o que a levaram para o 2º turno. Trump
também fez sucesso em cidades e estados predominantemente rurais.
- “A política fascista
dirige sua mensagem à população fora das grandes cidades, para quem é mais
lisonjeira, ressoando melhor em tempos de globalização, quando o poder
econômico passa para as grandes áreas urbanas enquanto centros de uma economia
global emergente, como ocorreu na década de 1930 na Europa. A política fascista
sublinha os danos que uma economia globalizada causa nas áreas rurais, somando
a isso um foco nos tradicionais valores rurais de autossuficiência supostamente
ameaçados pelo sucesso das cidades liberais, tanto do ponto de vista cultural
quanto econômico.” (90-91).
- “Na ideologia
fascista, a vida rural é guiada por um ethos de autossuficiência, o que gera
força. Nas comunidades rurais, não é preciso depender do Estado, ao contrário
dos “parasitas” da cidade.” (93).
Arbeit
Macht Frei
- Dentro da lógica do
nós x eles fascista os outros nunca devem receber nada do líder. Isso explica
fato de em 2017 Houston e Porto Rico terem sido atingidas por um furacão, mas
só a 1ª foi imediatamente atendida, e o pior, com habitantes de Houston achando
justo que seus compatriotas de Porto Rico sequer recebessem ajuda.
- Aqui no Brasil isso
pode ser percebido em entrevistas como a de Regina Duarte dizendo que apenas
quem tiver em consonância ideológica com o governo escolhido por uma parte dos
brasileiros receberiam verba da sua Secretaria Especial de Cultura, ou na fala
de Bolsonaro de não dar nada para aquele governador “Paraíba” ou ainda na
estranha retenção de verbas do Bolsa Família para o Nordeste.
- “Na ideologia
fascista, em tempos de crise e necessidade, o Estado reserva apoio para os
membros da nação escolhida, para “nós” e não para “eles”. A justificativa é
invariavelmente porque “eles” são preguiçosos, carecem de uma ética de
trabalho, e não lhes podem ser confiados fundos estatais, além de que “eles”
são criminosos e querem viver somente da generosidade do Estado. Na política
fascista, “eles” podem ser curados da preguiça e do roubo com trabalho duro. É
por isso que os portões de Auschwitz e Buchenwald exibiam o slogan ARBEIT MACHT
FREI – o trabalho liberta.” (97).
- “A solução era
desarticular o Estado e substituí-lo pela nação. Em contraste com o Estado, a
nação é desprovida de mecanismos como “bem-estar social”, que, segundo Hitler,
priva os indivíduos de sua capacidade de independência econômica. O Estado
representava a redistribuição da riqueza dos cidadãos trabalhadores para
minorias que “não merecem”, fora da comunidade étnica ou religiosa dominante,
que se aproveitaria dos primeiros.” (98).
- Quanto refugiados
chegam, precisam de moradia, comida, aprender a língua local, talvez algum
ofício. Para o fascista isso é prova de que ele é um parasita.
- O fascista cria
condições para que suas mentiras se tornem verdade. Por exemplo, os nazistas
acusavam os judeus de mendigos exploradores. Eles não eram, até que tiveram
seus bens retirados. Na Tchecoslováquia ocupada ocorreu o mesmo, assim como em
Myanmar com os rohingyas.
- Outro exemplo foi
Richard Nixon. Nos governos Kennedy e Johnson foram desenvolvidas políticas de
assistência social e qualificação da população negra. O número de presidiários
estava diminuindo. A partir de 1969, Nixon cortou esses programas e investiu no
encarceramento em massa. Pobres, perseguidos pela polícia e sem chance de
conseguirem bons empregos o que ocorreu com os negros? Lotaram as prisões e os
fascistas de plantão usaram isso para reforçar o argumento usado no século XIX
para justificar a escravidão de que negros eram preguiçosos, não se esforçavam,
etc.
- O filósofo Lewis
Gordon chama de “má-fé” o fato de políticos ou pessoas influentes em geral
apostarem em estratégias comprovadamente fracassadas como o encarceramento em
massa. A “má-fé” seria uma característica fascista.
- “Um obstáculo para o
tipo de divisões entre nós/eles descrito acima é a unidade e a empatia
intraclasses, exemplificadas nos sindicatos. Nos sindicatos em funcionamento,
os cidadãos brancos da classe trabalhadora se identificam com os cidadãos
negros da classe trabalhadora, em vez de se ressentirem deles. Os políticos
fascistas entendem a eficácia que essa solidariedade tem em resistir às
políticas de divisão e, portanto, procuram desarticular os sindicatos. Apesar
de condenar as “elites”, a política fascista procura minimizar a importância da
luta de classes. [...]De acordo com a política fascista, os sindicatos devem
ser esmagados para que os trabalhadores individuais tenham que se virar
sozinhos no mar do capitalismo global e passem a depender de um partido ou
líder.” (104-105).
- Hitler dedicou um
capítulo inteiro de Mein Kampf para atacar os sindicatos.
- Estudo da OCDE de
2013 apontou que países com alta filiação a sindicatos como os da Escandinávia
de baixa desigualdade, algo odiado pelos fascistas.
- Já EUA, México,
Turquia e Chile, altamente desiguais, tem baixa taxa de sindicalização.
- “Como o fascismo
prospera em condições de incerteza econômica, onde o medo e o ressentimento
podem ser mobilizados para colocar os cidadãos uns contra os outros, os
sindicatos de trabalhadores se protegem contra a possibilidade de a política
fascista criar um ponto de apoio para se desenvolver.” (106).
- “Hoje, a lei do
“direito ao trabalho” foi aprovada em 28 estados dos EUA e, no momento em que
este texto está sendo escrito, ameaça ser validado pela Suprema Corte, pelo
menos para os sindicatos públicos. Essas leis proíbem os sindicatos de cobrar
taxas de funcionários que não desejam pagá-las, ao mesmo tempo em que exigem
que os sindicatos forneçam aos empregados que não optarem por pagar as taxas
representação e direitos sindicais iguais. Essa lei visa destruir os
sindicatos, removendo seu acesso a apoio financeiro. “Direito ao trabalho” é um
nome orwelliano para uma legislação que ataca a capacidade dos trabalhadores de
negociar coletivamente, roubando-lhes a voz. Após a aprovação das leis de direito
ao trabalho nos bastiões do Centro-Oeste da mão de obra americana – Wisconsin e
Michigan –, a política dos estados inclinou-se bastante para a direita,
sobretudo durante a campanha presidencial 2016 [...]” (106).
- “Os cidadãos com
deficiência foram considerados desprovidos de valor, porque o valor na
ideologia nacional-socialista surgiu do valor de suas contribuições para a
sociedade através do trabalho. Na ideologia nazista, aqueles que dependiam do
Estado para sua sobrevivência não tinham valor algum.” (108).
- “A visão fascista da
liberdade individual é semelhante à noção libertária de direitos individuais: o
direito de competir, mas não necessariamente de ter sucesso ou mesmo de
sobreviver.” (109).
- “Hitler viu na
iniciativa privada princípios que se alinhavam com sua própria ideologia. O
princípio da meritocracia, pelo qual “o grande homem” é recompensado pela
excelência com uma posição de liderança, atraiu-o; os fortes devem justamente
governar os fracos. A meritocracia, para Hitler, respaldava o importantíssimo
princípio de liderança do nacional-socialismo. Locais de trabalho privados são
organizados hierarquicamente, com uma estrutura de comando que envolve um CEO,
que dá ordens (o fato de que o CEO responde a um conselho de administração é um
detalhe normalmente ignorado na política fascista).” (110).
- “Todas as
instituições humanas são falhas em algum grau, inclusive os sistemas de
bem-estar social e os sindicatos de trabalhadores. Mas ao criticar as falhas de
qualquer instituição, é importante perguntar o que se perderia em sua
ausência.” (110).
Epílogo
- “Os mecanismos da
política fascista apoiam-se uns nos outros, tecendo um mito de diferenciação
entre “nós” e “eles”, com base num passado fictício romantizado, em que há
“nós”, mas não “eles”, e num ressentimento em relação a uma elite liberal
corrupta, que se apropria de nosso suado dinheiro e ameaça nossas tradições.
“Eles” são criminosos preguiçosos com quem a liberdade seria desperdiçada (e
que, de todo modo, não a merecem). “Eles” mascaram seus objetivos destrutivos
com a linguagem do liberalismo, ou da “justiça social”, e estão destinados a
destruir nossa cultura e tradições, fazendo com que “nós” nos tornemos fracos.
“Nós” somos diligentes e cumpridores da lei, tendo conquistado nossas liberdades
por meio do trabalho; “eles” são indolentes, perversos, corruptos e decadentes.
A política fascista transita em delírios que criam esse tipo de falsas
distinções entre “nós” e “eles”, independentemente de realidades óbvias.”
(114).
- Temos que tomar
cuidado com a normalização da barbárie, inclusive da parte de quem luta contra
ela. Não é porque “a situação está ruim, mas podia ser pior” que temos que
aceitar.
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