SOUZA, Jessé. A
elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
Prefácio
- “Minha tese é
que tamanho sucesso e ubiquidade é resultado da ação combinada de dois fatores:
o primeiro é o fato de Sérgio Buarque haver construído uma narrativa totalizadora
– como a das religiões que não podem deixar margem a lacunas e dúvidas – do
Brasil e de sua história; e o segundo ponto é o de ter criado a legitimação
perfeita para uma dominação oligárquica e antipopular com a aparência de estar fazendo
crítica social. É isso que o faz tão amado pela direita e pela esquerda.” (10)
- “Épocas de
crise como a brasileira atual são, nesse sentido, uma oportunidade única. Na
crise, toda legitimação perde sua “naturalidade” e pode ser desconstruída. Mas
é necessário que se reconstrua um novo sentido que explique e convença melhor
que o anterior. Sem isso, a explicação anterior tende a se perpetuar.” (11)
O racismo de nossos intelectuais: o brasileiro como
um vira-latas
- “O que a Lava
Jato e seus cúmplices na mídia e no aparelho de Estado fazem é o jogo de um capitalismo
financeiro internacional e nacional ávido por “privatizar” a riqueza social em
seu bolso. Destruir a Petrobras, como o consórcio Lava Jato e grande mídia, a
mando da elite do atraso, destruiu, significa empobrecer o país inteiro de um
recurso fundamental, apresentando, em troca, não só resultados de recuperação
de recursos ridículos de tão pequenos, mas principalmente levando à destruição
de qualquer estratégia de reerguimento internacional do país. Essas ideias do
Estado e da política corrupta servem para que se repasse empresas estatais e
nossas riquezas do subsolo a baixo custo para nacionais e estrangeiros que se
apropriam privadamente da riqueza que deveria ser de todos. Essa é a corrupção real.
Uma corrupção legitimada e tornada invisível por uma leitura distorcida e
superficial de como a sociedade e seus mecanismos de poder funcionam.” (13)
- “A construção
de uma elite toda poderosa que habitaria o Estado só existe, na realidade, para
que não vejamos a elite real, que está “fora do Estado”, ainda que a “captura do
Estado” seja fundamental para seus fins. É uma ideia que nos imbeciliza, já que
desloca e distorce toda a origem do poder real. Nesse esquema, se fizermos uma
analogia com o narcotráfico, os políticos são os “aviõezinhos” do esquema e ficam
com as sobras do saque realizado na riqueza social de todos em proveito de uma
meia dúzia. Combater a corrupção de verdade seria combater a rapina, pela elite
do dinheiro, da riqueza social e da capacidade de compra e de poupança de todos
nós para proveito dos oligopólios e atravessadores financeiros.” (13)
- “O “imbecil
perfeito” é criado quando ele, o cidadão espoliado, passa a apoiar a venda
subfaturada desses recursos a agentes privados imaginando que assim evita a corrupção
estatal. Como se a maior corrupção – no sentido de enganar os outros para
auferir vantagens ilícitas – não fosse precisamente permitir que uma meia dúzia
de super-ricos ponha no bolso a riqueza de todos, deixando o resto na miséria.
Essa foi a história da Vale, que paga royalties ridículos para se apropriar da
riqueza que deveria ser de todos, e essa será muito provavelmente a história da
Petrobras. Esse é o poder real, que rapina trilhões e ninguém percebe a tramoia,
porque foi criado o espantalho perfeito com a ideia de Estado como único
corrupto.” (14)
- “O trabalho de
distorção sistemática da realidade realizado pela mídia foi extremamente
facilitado pelo trabalho prévio de intelectuais que forjaram a visão dominante,
até hoje, da sociedade brasileira. Como os pensadores que estudam as regras da
produção de conhecimento e da ciência sabem muito bem, todo o conhecimento
humano é limitado historicamente. Isso significa que, durante décadas e até
séculos, todo o conhecimento humano é dominado por um “paradigma” específico.3
Um “paradigma” é o horizonte histórico que define os pressupostos para qualquer
tipo de conhecimento. Normalmente, todas as pessoas são influenciadas pelo
paradigma na qual são criadas e ninguém, em condições normais, pensa além de seu
tempo.” (14)
- “Em uma
medicina, por exemplo, cujo pressuposto seja de que as doenças são causadas por
fluidos misteriosos que se apoderam do corpo, a mera substituição ou até a inversão
de práticas consagradas de cura em nada muda o “paradigma” dominante. Ao
contrário, a crítica dentro de um mesmo paradigma só o torna ainda mais forte
como referência fundamental, seja para quem concorda ou para quem quer “inovar”.
A inovação possível dentro de um mesmo paradigma é sempre superficial e nunca
sequer toca o aspecto principal.” (15)
- “Além disso,
se juntamos o preconceito do suposto patrimonialismo congênito, com o Estado
como lugar da elite corrupta, com a noção antipopular e preconceituosa de
“populismo”, também produto de intelectuais, que diz que nosso povo é
desprezível e indigno de ajuda e redenção contaminando toda a política feita em
seu favor, explicamos em boa parte a miséria da população brasileira. A
colonização da elite brasileira mais mesquinha sobre toda a população só foi e
é ainda possível pelo uso, contra a própria população indefesa, de um racismo
travestido em culturalismo que possibilita a legitimação para todo ataque
contra qualquer governo popular.” (19)
- “Todo racismo,
inclusive o culturalismo racista dominante no mundo inteiro, precisa escravizar
o oprimido no seu espírito e não apenas no seu corpo. Colonizar o espírito e as
ideias de alguém é o primeiro passo para controlar seu corpo e seu bolso. De
nada adianta americanos e europeus proclamarem suas supostas virtudes inatas,
se africanos, asiáticos e latino-americanos não se convencerem disso. Do mesmo
modo, de nada adianta nossa elite do dinheiro construir uma concepção de país e
de nação para viabilizar seus interesses venais se a classe média e a população
como um todo não for convencida disso.” (19)
- “No mundo
moderno, a dominação de fato tem quer ser legitimada cientificamente. Quem
atribui prestígio hoje em dia a uma ideia é o prestígio científico, assim como
antes era o prestígio religioso ou supostamente divino. É a ciência hoje, mais
que a religião, quem decide o que é verdadeiro ou falso no mundo. Por conta
disso, toda informação midiática, no jornal ou na TV, procura se legitimar com
algum especialista na matéria que esteja sendo discutida. Nessa estratégia de
dominação, que é mais simbólica que material, é a posse do que é tido como
verdadeiro que permite também se apoderar do que é percebido como justo e
injusto, honesto e desonesto, correto ou incorreto, bem ou mal e assim por
diante. Controla-se a partir do prestígio científico, portanto, tudo que
importa na nossa vida.” (20)
- “Está criada a
ideologia do vira-lata brasileiro. Inferior, posto que percebido como afeto e,
portanto, como corpo, opondo-se ao espírito do americano e europeu idealizado,
como se não houvesse personalismo e relações pessoais fundando todo tipo de
privilégio também nos EUA e na Europa. A emoção nos animalizaria, enquanto o
espírito tornaria divinos americanos e europeus. Como seres divinos, os
americanos seriam seres especiais que põem a impessoalidade acima de suas
preferências, explicando com isso a excelência de sua democracia, assim como
sua honestidade e incorruptibilidade. As falcatruas globais do mercado
financeiro americano, que ficaram públicas na crise de 2008, construídas para
iludir e enganar os próprios clientes e drenar o excedente mundial em seu
favor, são, certamente, invenção de algum brasileiro cordial que passou por lá
e inoculou o vírus da desonestidade nessas almas tão puras.” (23)
- Jessé acusa
Sérgio Buarque de Holanda de ter sido o criador da ideia de que o estado é
corrupto e não corrompido pelo empresariado.
A escravidão é nosso berço
- “Uma explicação,
para ser dominante, tem que esclarecer a totalidade da realidade social. Ou
seja, ela tem que esclarecer as três questões principais tanto para os
indivíduos quanto para as sociedades: de onde viemos, quem somos e para onde
vamos.” (26)
- “A única
teoria brasileira que responde a essas três questões de modo convincente é a
teoria implicitamente racista do culturalismo conservador entre nós. Não existe
nenhuma outra teoria nacional com essa abrangência. A esquerda, por exemplo,
jamais desenvolveu uma concepção crítica a essa teoria e, por conta disso,
sempre foi colonizada no coração e na mente pelo culturalismo racista
conservador com efeitos práticos devastadores, como os recorrentes golpes de
Estado mostram tão bem.” (26)
- “A ambição
deste livro é dotar a esquerda, ou seja, a visão que expressa os interesses da
maioria esquecida, de uma reflexão que supere a mera proposição de um programa
econômico alternativo, que tem sido o que as esquerdas apresentam quando chegam
ao poder. É necessária uma reflexão independente, também acerca do Estado e da
sociedade, para que o culturalismo conservador de direita não colonize a
esquerda como acontece até hoje. Todos os golpes de Estado contra a esquerda se
baseiam na dominância de uma interpretação totalizante e conservadora, que
contamina e fragiliza a esquerda mortalmente.” (26)
- “Para
responder às três questões essenciais para a compreensão da singularidade de
qualquer sociedade – de onde viemos, quem somos e para onde vamos –, o culturalismo
racista constrói uma fantasia da continuidade cultural com Portugal que é falsa
da cabeça aos pés. Ela se baseia em uma tese clássica do senso comum – que é
uma espécie de sociologia espontânea dos leigos – que imagina que a transmissão
cultural se dá de modo automático como o código genético. Nessa leitura de
senso comum, imagina-se que alguém é, por exemplo, italiano apenas porque o avô
era italiano. Depende. Se as condições sociais forem outras, ele não tem nada
de italiano a não ser o código genético.” (27)
- “No Brasil,
desde o ano zero, a instituição que englobava todas as outras era a escravidão,
que não existia em Portugal, a não ser de modo muito tópico e passageiro. Nossa
forma de família, de economia, de política e de justiça foi toda baseada na
escravidão. Mas nossa autointerpretação dominante nos vê como continuidade perfeita
de uma sociedade que jamais conheceu a escravidão a não ser de modo muito datado
e localizado. Como tamanho efeito de autodesconhecimento foi possível? Não é
que os criadores e discípulos do culturalismo racista nunca tenham falado de
escravidão. Ao contrário, todos falam. No entanto, dizer o nome não significa
compreender o conceito.” (28)
Freyre contra ele mesmo
Sobrados e mucambos ou o campo na cidade
- “Com a maior
urbanização, a hierarquia social passa a ser marcada pela oposição entre os
valores europeus burgueses e os valores antieuropeus do interior, ressaltando
uma antinomia valorativa no país com repercussões que nos atingem ainda hoje.
Esses valores europeus, como o individualismo, a proteção legal dos indivíduos,
um incipiente reconhecimento dos direitos das mulheres e dos filhos, foram
adquirindo concretude com a constituição de um Estado incipiente a partir da
vinda da família real. Milhares de burocratas e servidores do rei, um terço do erário
português, máquinas de impressão e novas práticas de controle estatal
acompanham esse verdadeiro Estado transplantado.” (38)
- “Esse novo
comportamento é visto, quase sempre, como possuindo alguma dose de afetação e superficialidade,
conferindo substância para a expressão, ainda hoje muito corrente no Brasil
para designar comportamentos exteriores, superficiais, para “causar impressão”,
que é o dito popular “para inglês ver”. Essa leitura do processo de
modernização brasileiro como um processo inautêntico, tendo algo de epidérmico
e pouco profundo, é certamente uma das bases do nosso culturalismo racista.
Essa leitura defende que nossa modernização nunca foi para valer, que sempre
foi tudo “vinho novo em odres velhos”, como diria Raymundo Faoro.” (39)
- “Em Sobrados e
mucambos, Gilberto Freyre percebe a reeuropeização do Brasil do século XIX como
um processo que tinha certamente elementos meramente imitativos do tipo para
“inglês ver”, elementos esses aliás típicos em qualquer sociedade em processo
de transição. Fundamental, no entanto, é que existiam também elementos
importantes de real assimilação e aprendizado cultural. Mais importante ainda é
a construção, nesse período, de instituições fundamentais, como um Estado e
mercado incipientes, base sobre a qual se poderiam desenvolver, com autonomia,
os novos valores universalistas e individualistas. Ainda que esses novos
padrões de comportamento e valores não tenham se generalizado para a base da
sociedade, o que iria formar o verdadeiro apartheid do Brasil moderno, sua
entrada, mesmo que seletiva e segmentada no país, tem que ser compreendida em
toda sua dimensão.” (39)
- “O embate
valorativo entre os dois sistemas é a marca do Brasil moderno, cuja genealogia
Freyre traça em Sobrados e mucambos com uma maestria exemplar. Nesse novo
contexto urbano, o patriarca deixa de ser referência absoluta. Ele próprio tem
que se curvar a um sistema de valores com regras próprias e aplicável a todos,
inclusive à antiga elite social. O sistema social passa a ser regido por um código
valorativo crescentemente impessoal e abstrato. A opressão tende a ser exercida
agora cada vez menos por senhores contra escravos, e cada vez mais por
portadores de valores europeus, sejam eles de qualquer cor – efetivamente
assimilados ou simplesmente imitados –, contra os pobres, africanos e índios.”
(39)
- “A
urbanização, no entanto, também representou uma mudança lenta mas fundamental
na forma do exercício do poder patriarcal: ele deixa de ser familiar e
abstrai-se da figura do patriarca, passando a assumir formas impessoais. Uma
dessas formas impessoais é a estatal, que passa, por meio da figura do imperador,
a representar uma espécie de pai de todos, especialmente dos mais ricos e dos
enriquecidos na cidade, como os comerciantes e financistas. O estado, ao mesmo
tempo, mina o poder pessoal pelo alto, penetrando na própria casa do senhor e
lhe roubando os filhos e transformando-os em seus rivais. É que as novas
necessidades estatais por mão de obra especializada, como burocratas, juízes,
fiscais, juristas, etc., todas indispensáveis para as novas funções do estado, podem
ser melhor exercidas pelo conhecimento que os jovens adquirem na escola,
especialmente se essa fosse europeia, o que lhes conferia ainda mais prestígio.”
(40)
- “Também a relação
entre os sexos mudou. A urbanização mitiga o excesso de arbítrio do patriarca
ao retirar as precondições sob a influência das quais ele exercia seu poder ilimitado.
O médico de família, por exemplo, insere no lar doméstico uma influência
incontrolável pelo patriarca. É ele que irá substituir o confessor. O teatro, o
baile de máscaras, as novas modas de vestir e os romances se tornam mais importantes
que a Igreja. Um novo mundo se abre para as mulheres, apesar do sexismo ter
sido, para Freyre, o nosso preconceito mais persistente.” (40)
- Souza defende
que o surgimento de uma incipiente classe média ainda no século XIX marcou o
início de um reforço da diferenciação entre o mulato que alcança melhores
qualificações e condições de vida do negro que desempenhava trabalhos braçais.
- “Nada muito
diferente de nossos dias nesse particular. O ódio ao pobre hoje em dia é a
continuação do ódio devotado ao escravo de antes. Quando as classes médias
indignadas saíram às ruas a partir de junho de 2013, não foi, certamente, pela
corrupção do PT, já que os revoltados ficaram em casa quando a corrupção dos
outros partidos veio à tona. Por que a corrupção do PT provocou tanto ódio e a
corrupção de outros partidos é encarada com tanta naturalidade? É que o ódio ao
PT, na realidade, foi o ódio devotado ao único partido que diminuiu as
distâncias sociais entre as classes no Brasil moderno. A corrupção foi mero
pretexto.45 Não houve, portanto, nos últimos 150 anos, um efetivo aprendizado
social e moral em direção a uma sociedade inclusiva entre nós.” (43)
- “Freyre
percebia que os lugares sociais do patriarcalismo sempre foram funcionais e não
essencialistas. Isso permitia que a figura masculina do patriarca pudesse ser
exercida por uma mulher, a qual obviamente continua biologicamente mulher, mas
era sociologicamente ou funcionalmente homem/patriarca. Assim, do mesmo modo,
os afilhados ou sobrinhos, como eram chamados os filhos ilegítimos de senhores
de terra e padres, que poderiam tornar-se sociologicamente filhos, herdando a riqueza
paterna, ou mesmo o substituindo na atividade produtiva. O mesmo traço
sistêmico fazia o biologicamente mulato transformar-se em sociologicamente
branco, ou seja, ocupar posições sociais que, num sistema escravocrata, são
privilégio de brancos. Forma-se, na realidade, uma versão brasileira do “dividir
para dominar”. Separar os mulatos dos negros e torná-los servis aos brancos
possibilita a estigmatização e superexploração do negro de todas as formas imagináveis.
A construção do pacto antipopular que hoje vivenciamos entre a elite e a classe
média já estava prefigurada nesse arranjo.” (43)
As classes sociais do Brasil moderno
- “Mais
acostumados às demandas do trabalho em condições capitalistas, os imigrantes do
trabalho livre tinham na lavoura produtividade 1/3 maior que a do antigo
escravo com custos organizacionais muito menores.” (47)
- “Florestan
mostra aqui uma crença liberal quase ingênua de que o mercado competitivo
poderoso por si só possa ser inclusivo e emancipador. Ele chega a dizer,
inclusive, que esses mecanismos de exclusão tendem a desaparecer com o avanço
da “ordem competitiva” entre nós. A comparação com o caso americano – país com
alto número de excluídos, onde o processo de modernização foi mais vigoroso que
em qualquer outro lugar – mostra exatamente o contrário. A inclusão social de
setores antes estigmatizados e marginalizados é sempre um “aprendizado político”
coletivo e jamais decorrência natural do dinamismo econômico do mercado. Ao
contrário, o mercado, deixado a si mesmo, tende a adaptar a marginalização de
alguns e torná-la produtiva e funcional para os estratos superiores.” (49)
- “A teoria da
modernização sofisticou a moda de eufemizar a realidade para negar formas de dominação
que tendem a se eternizar. Assim, a pobreza e a inadaptação são passageiras,
quase sempre decorrentes de situações transitórias, como a passagem do campo
para a cidade. Os países condenados a serem exportadores de matérias-primas
todo o tempo não são mais chamados de subdesenvolvidos, mas sim de “em
desenvolvimento” para assinalar uma transição que, na verdade, como também se
comprova no caso brasileiro, nunca termina.” (49)
- “Na verdade, a
grande limitação do raciocínio de Florestan – ainda que ele tenha ido, a meu
ver, mais longe que qualquer outro pensador brasileiro – é não perceber que o
capitalismo ou o que ele chama de “ordem competitiva” possui uma “ordem moral”
muito singular. Ao contrário da ordem escravocrata, onde os lugares são
visíveis e decididos pelo fenótipo e pelo status de origem do modo mais claro possível,
a produção da desigualdade na nova ordem é opaca e não transparente aos
indivíduos que atuam nela. Se os especialistas, ainda que talentosos como
Florestan, não a percebem, o que dirá os leigos, presas fáceis de todo tipo de
manipulação midiática, precisamente por conta disso.” (49-50)
- “Embora ainda
defenda a necessidade de se compreender adequadamente a produção da
desigualdade de classe desde o berço, como o elemento mais importante para perceber
o mundo social em todas as suas manifestações, mudei minha opinião em um
aspecto importante. Em países como o nosso, não há como separar – a não ser
analiticamente para separar o joio do trigo e evitar as armadilhas das
políticas identitárias falsamente emancipadoras muito bem-vindas pelo capital
financeiro o preconceito de classe do preconceito de raça. É que as classes
excluídas em países de passado escravocrata tão presente como o nosso, mesmo
que existam minorias de todas as cores entre elas, são uma forma de continuar a
escravidão e seus padrões de ataque covarde contra populações indefesas,
fragilizadas e superexploradas.” (50)
- “O excluído,
majoritariamente negro e mestiço, é estigmatizado como perigoso e inferior e
perseguido não mais pelo capitão do mato, mas, sim, pelas viaturas de polícia
com licença para matar pobre e preto. Obviamente, não é a polícia a fonte da
violência, mas as classes média e alta que apoiam esse tipo de política pública
informal para higienizar as cidades e calar o medo do oprimido e do excluído
que construiu com as próprias mãos. E essa continuação da escravidão com outros
meios se utilizou e se utiliza da mesma perseguição e da mesma opressão
cotidiana e selvagem para quebrar a resistência e a dignidade dos excluídos.”
(50-51)
Os conflitos de classe do Brasil moderno
- “As classes
sociais só podem ser adequadamente percebidas, portanto, como um fenômeno,
antes de tudo, sociocultural e não apenas econômico. Sociocultural posto que o
pertencimento de classe é um aprendizado que possibilita, em um caso, o
sucesso, e, em outros, o fracasso social. São os estímulos que a criança de
classe média recebe em casa para o hábito de leitura, para a imaginação, o
reforço constante de sua capacidade e autoestima, que fazem com que os filhos
dessa classe sejam destinados ao sucesso escolar e depois ao sucesso
profissional no mercado de trabalho. Os filhos dos trabalhadores precários, sem
os mesmos estímulos ao espírito e que brincam com o carrinho de mão do pai
servente de pedreiro, aprendem a ser afetivamente, pela identificação com quem
se ama, trabalhadores manuais desqualificados. A dificuldade na escola é muito
maior pela falta de exemplos em casa, condenando essa classe ao fracasso
escolar e mais tarde ao fracasso profissional no mercado de trabalho
competitivo.” (54)
- “Como somos
formados, como seres humanos, pela imitação e incorporação pré-reflexiva e inconsciente
daqueles que amamos e que cuidam de nós, ou seja, os nossos pais ou quem exerça
as mesmas funções, a classe e seus privilégios ou carências são reproduzidos a
cada geração. Como ninguém escolhe o berço onde nasce, é a sociedade que deve
se responsabilizar pelas classes que foram esquecidas e abandonadas. Foi isso
que fizeram, sem exceção, todas as sociedades que lograram desenvolver
sociedades minimamente igualitárias. No nosso caso, as classes populares não
foram abandonadas simplesmente. Elas foram humilhadas, enganadas, tiveram sua
formação familiar conscientemente prejudicada e foram vítimas de todo tipo de
preconceito, seja na escravidão, seja hoje em dia. Essa é nossa diferença real
em relação à Europa que admiramos.” (54)
- “Não se trata apenas de acesso à boa escola o que nunca
existiu para as classes populares. Trata-se de se criticar a nossa herança escravocrata,
que agora é usada para oprimir todas as classes populares independentemente da
cor da pele, ainda que a cor da pele negra implique uma maldade adicional. Como
esse mecanismo sociocultural de formação das classes sociais é tornado
invisível, então o racismo da cor da pele passa a ser o único fator simbólico
percebido na desigualdade do dia a dia. É importante, no entanto, que se
percebam também as carências que reproduzem as misérias que são de
pertencimento à classe, já que elas, ao contrário da cor da pele do indivíduo,
podem ser modificadas.”
(54)
- “Quem luta são
os indivíduos, mas quem predecide as lutas individuais são os pertencimentos
diferenciais às classes sociais e seu acesso ou obstáculo típico aos capitais
que facilitam a vida.” (54)
- “A criança de classe média, afinal, chega na escola
conseguindo se concentrar nos estudos, porque já havia recebido estímulos para
direcionar sua atenção ao estudo e à leitura, antes, por estímulo familiar.”
(58)
- “Na família dos excluídos, tudo milita em sentido
contrário. Mesmo quando a família é construída com o pai e a mãe juntos, o que
é minoria nas famílias pobres, e os pais insistem na via escolar como saída da
pobreza, esse estímulo é ambíguo. A criança percebe que a escola pouco fez para
mudar o destino de seus pais, por que ela iria ajudar a mudar o seu? Afinal, o
exemplo, e não a palavra dita da boca para fora, é o decisivo no aprendizado
infantil. A brincadeira de um filho de servente de pedreiro é com o carrinho de
mão do pai. O aprendizado afetivo aqui aponta para a formação de um trabalhador
manual e desqualificado mais tarde.” (58)
- “Como os estímulos à leitura e à imaginação são
menores, os pobres possuem quase sempre enormes dificuldades de se concentrar
na escola. Muitos relatam em entrevistas que fitavam o quadro-negro por horas
sem conseguir aprender o conteúdo. A capacidade de concentração não é,
portanto, um dado natural como ter dois ouvidos e uma boca e, sim, uma
habilidade e disposição para o comportamento aprendida apenas quando
adequadamente estimulada.” (58)
- Os “novos
escravos”, são convencidos pela mídia com um discurso meritocrático a odiar
seus pares. A ilusão de ascensão pelo esforço faz por exemplo, um pobre odiar
um miserável beneficiário do Bolsa Família.
O pacto antipopular da elite com a classe média
- “Um primeiro
momento de organização das classes trabalhadoras já se dá em São Paulo no
início do século XX. Com uma industrialização acelerada causada pela substituição
de importações na Primeira Guerra Mundial, o movimento anarquista, infiltrado
na classe trabalhadora paulista transplantada da Europa, logra produzir a
primeira greve geral bem-sucedida da história do país já em 1917. Centenas de trabalhadores
e familiares indefesos foram mortos pela polícia e feroz perseguição aos seus
líderes se seguiu à greve.71 A greve de 1917 foi um equivalente brasileiro da
Comuna de Paris de 1871. Uma efetiva intervenção da classe trabalhadora na
política teria que esperar mais de cinquenta anos.” (65)
- “É claro que,
inicialmente, a criação das novas classes sociais ainda é localizada e
incipiente. Será apenas a partir do Estado Novo de Vargas que a criação de uma
sociedade de outro tipo, moderna e industrial, será perseguida pela primeira
vez sob a forma de um projeto nacional de desenvolvimento articulado e
refletido. Esse período inaugura o começo da sociedade brasileira atual e
consolida uma configuração de classes específica, com as quatro classes
definidas anteriormente, e com um padrão de dominação social e política que
continua até nossos dias.” (65)
- “Já no século
XIX, o liberalismo tem esse sentido de recobrir com palavras bonitas, como
“liberdade” e “autonomia”, o que era simplesmente uma reação ao Estado nascente
e a sua necessidade de impor a lei e proteger os mais frágeis do simples abuso
do poder sob a forma da força ou do dinheiro. [...]A liberdade que nosso
liberalismo sempre defendeu foi a liberdade de saquear a sociedade, tanto o trabalho
coletivo quanto as riquezas nacionais, para o bolso da elite da rapina que
sempre nos caracterizou.” (66)
- “Os novos
tempos e o novo século pedem, no entanto, um liberalismo repaginado e
habilitado para convencer e não apenas oprimir. O moralismo da nascente classe
média urbana seria a melhor maneira de adaptar o mandonismo privado aos novos
tempos. Pintando-o com as cores da liberdade e da decência. O que estava em
jogo aqui era a captura da classe média letrada pela elite do dinheiro,
formando a aliança de classe dominante que marcaria o Brasil daí em diante.”
(67)
A classe média e a esfera pública colonizada pelo
dinheiro
- “É incrível
que, em um país onde se fala sempre da privatização do público como seu
problema principal, nunca ninguém tenha sequer refletido seriamente acerca da privatização
da opinião pública, como efeito da colonização da esfera pública pelo interesse
econômico. Enquanto a privatização do Estado por uma suposta elite estatal é o
embuste do patrimonialismo como jabuticaba brasileira, a privatização do espaço
público, que é real, é tornada invisível. Por sua vez, é a privatização da
opinião pública que permite a continuidade da privatização do Estado pelo
interesse econômico. Em grande medida, como sempre acontece nesses casos, uma
falsa contradição está sempre no lugar de um conflito real. Afinal, a falsa
ameaça da corrupção patrimonialista foi sempre acionada pelos interesses
privados que comandam, de modo direto e indireto, a grande imprensa.” (75)
O moralismo patrimonialista e a crítica ao populismo
como núcleo do pacto antipopular
- A classe média
se torna ator relevante a partir do tenentismo.
- Com o fim da I
República, as elites saem da dominação direta pelo voto de cabresto e partem
para uma simbólica, com o uso dos meios de comunicação.
- Os mitos da
meritocracia e da moralidade são criados para envolver a classe média, que
assim passou a se sentir superior moralmente a todas as classe sociais.
- “A noção de
patrimonialismo é falsa por duas razões: primeiro as elites que privatizam o
público não estão apenas nem principalmente no Estado, e o real assalto ao Estado
é feito por agentes que estão fora dele, principalmente no mercado. A elite que
efetivamente rapina o trabalho coletivo da sociedade está fora do Estado e se
materializa na elite do dinheiro, ou seja, do mercado, que abarca a parte do
leão do saque. A elite estatal e política fica literalmente com as sobras, uma
mera percentagem, mínima em termos quantitativos, dos negócios realizados. Cria-se
aí a corrupção dos tolos, que vemos hoje no Brasil. A atenção se foca na
propina, nos “3% dos Sérgio Cabral” da vida, e torna invisível o assalto ao
trabalho coletivo como um todo em favor de meia dúzia de atravessadores financeiros.
O principal efeito da noção de patrimonialismo é tornar esse dado, que é o mais
importante, literalmente invisível; depois o patrimonialismo como privatização
do bem público, suprema “viralatice”, é percebido como singularidade
brasileira, como se o Estado apenas aqui fosse privatizado.” (79)
- “O cidadão,
devidamente imbecilizado pela repetição do veneno midiático, pensa consigo: “é
melhor entregar a Petrobras aos estrangeiros do que ela ficar na mão de
políticos corruptos”. Tudo como se a suprema corrupção não fosse entregar a uma
meia dúzia a riqueza de todos que poderia ser usada, como estava previsto o
pré-sal, para alavancar a educação de dezenas de milhões.” (80)
- O dedo em
riste contra o “populismo” seria uma forma de dizer que as classes populares
são dominadas e incapazes de decidirem os seus destinos, novamente reforçando o
papel de “superioridade” da classe média que não se deixa enganar.
- Claro que o
“populismo” é qualquer, por menor que seja, ação em prol das classes populares.
O pacto elitista e sua violência simbólica
- Reforço da
ideia de que a classe média é privilegiada e que a perpetuação do poder e
influência é algo natural, já que uma criança nascida num lar abastado tem
muito mais possibilidades de ampliar o seu capital cultural do que uma nascida
nas classes populares.
- É a herança
escravista a causadora do ódio dirigido ás classes populares por partes das
classes média e alta.
- A falta de
escravidão na época moderna na Europa é que teria possibilitado o processo
civilizatório de que fala Norbert Elias. Este garantiu padrões mínimos de
dignidade a todos.
- “A grande
imprensa é uma grande empresa que se disfarça, mentindo para seus leitores e telespectadores,
e tira onda de serviço público. Como “partido político” é a instituição que
consegue arregimentar e convencer sua clientela, coisa que os partidos elitistas
como o PSDB só conseguem hoje em dia em bolsões regionais, o partido
verdadeiramente nacional da elite endinheirada é a grande imprensa. A
“política” do golpe foi midiaticamente produzida e os partidos só tiveram que
ratificar os consensos sociais produzidos midiaticamente. Por conta disso,
chamar o golpe de “parlamentar” é se prender às aparências e esquecer o
principal.” (89)
A elite do dinheiro e seus motivos
- O autor faz um
panorama do estado de bem-estar social surgido na Europa do pós-II Guerra
Mundial e em menor grau nos EUA e que quase ocorreu no Brasil se não fosse o
golpe de 1964.
- O toyotismo
com a sua transformação da empresa no “Deus” a ser adorado pelo empregador foi
o modelo ideal para o empresariado cansado de “arcar” com os custos de um
padrão de vida decente para os seus funcionários.
- Cita que a
desregulação do mercado financeiro inverteu o jogo nascido no pós-II Guerra
Mundial: os grandes empresários, que antes pagavam altos impostos para custear
o estado de bem estar social passaram a credores do estado, pois deixaram de
pagar muitos ou todos os impostos que antes estavam obrigados a pagar e ainda
passaram a emprestar para o Estado, que ficou com o rombo dessas renúncias.
- Coube a
imprensa brasileira reforçar que o grande problema do país é a corrupção dos
políticos e não do empresariado que tomou as finanças do Estado de assalto,
sendo o maior exemplo disso a PEC/55.
A classe média e suas frações
- “Se os ricos
se legitimam pelo bom gosto supostamente inato para esconder sua origem
monetária, e levam uma vida “exclusiva”, apartada do restante da sociedade, a
legitimação dos privilégios da classe média é distinta. Como seu privilégio é
invisível pela reprodução da socialização familiar que esconde seu trabalho
prévio de formar vencedores, a classe média é a classe por excelência da
meritocracia e da superioridade moral. Eles servem tanto para distingui-la e
para justificar seus privilégios em relação aos pobres como também aos ricos.”
(96)
- “Os
brasileiros das classes superiores cevaram a miséria e a construíram
ativamente. Construiu-se uma classe de humilhados para assim explorá-los por
pouco e para construir uma distinção meritocrática covarde contra quem nunca teve
igualdade de ponto de partida. Não se entende a miséria permanente e secular
dos nossos excluídos sociais sem esse ativismo social e político covarde e
perverso de nossas classes “superiores”.” (98)
- “Em um
contexto de democracia de massas, a dominação covarde precisava ser repaginada
e modernizada. A teoria do populismo das massas serve a esse propósito.
Qualquer tentativa, mesmo tímida, como a que tivemos recentemente, de mitigar
esse sofrimento e essa condenação secular, tem que ser estigmatizada e
condenada no nascedouro. Se existe alguma política a seu favor, só pode ser
para manipular seu voto supostamente inconsciente. Quando se diz que a democracia
entre nós sempre foi um mal-entendido, como afirmou Sérgio Buarque, o motivo
não é o patrimonialismo que ele inventou. O malentendido é que classes sem
valor não devem nem podem ter qualquer participação na política. Uma classe que
não sabe votar, uma classe que nem deveria existir. Essa é a função da noção de
populismo entre nós: revestir de caráter científico o pior e o mais covarde dos
preconceitos.” (98)
- “O fator
decisivo para a compreensão da heterogeneidade das visões políticas da classe
média é o tipo de capital cultural diferencial que é apropriado seletivamente pelas
respectivas frações, construído pelas socializações familiar e escolar
distintas. Como vimos, as classes sociais são construídas pela socialização
familiar e escolar. É essa combinação, inclusive, que irá determinar sua renda
mais tarde. São elas, portanto, que formam os indivíduos diferencialmente
aparelhados para a competição social. A classe média é a classe por excelência
do capital cultural legítimo e valorizado. Aquele tipo de capital cultural que
junta um certo conhecimento que capacita essa classe à função de capataz
moderno da elite com formas de sociabilidade, também aprendidas na família e na
escola, que possibilitam sua utilização como privilégio e distinção.” (99)
- “Mais
importante ainda, pode-se agora ser expressivista sem qualquer crítica social
que envolva efetiva distribuição de riqueza e de poder. Expressivismo, também
em país de maioria pobre como o nosso, passa a ser a preservação das matas e o
respeito às minorias identitárias e temas como sustentabilidade e responsabilidade
social de empresas. O charme dessa posição é que ela tira onda de emancipadora,
como na luta pelos direitos das minorias e pela preservação da natureza. Esses
temas são, na verdade, realmente fundamentais. O engano reside na reversão das
hierarquias. Em um país onde tantos levam uma vida miserável e indigna deste
nome, a superação da miséria de tantos é a luta primeira e mais importante. As
lutas pela preservação da natureza e das liberdades das minorias, importantes
como elas são, devem ser acopladas a esse fio condutor que implica a superação
de todas as injustiças.” (100)
A corrupção real e a corrupção dos tolos: uma
reflexão sobre o patrimonialismo
- O autor
observa que três figuras distintas: Deltan Dalagnol, Luís Antônio Barroso e
Fernando Haddad reproduzem a ideia do patrimonialismo (mesmo que com
características próprias de cada um) como causa de todos os mães brasileiros.
- “Sérgio
Buarque é o pai do liberalismo conservador brasileiro ao construir as duas
noções mais importantes para a autocompreensão da sociedade brasileira moderna:
a noção de homem cordial e a noção de patrimonialismo. O homem cordial é a
concepção do brasileiro como vira-lata, ou seja, como conjunto de
negatividades: emotivo, primitivo, personalista e, portanto, essencialmente
desonesto e corrupto. O homem cordial deve ser tornado pelo mercado e pela
industrialização um homem tão democrático, produtivo, puro e honesto como os
americanos, o exemplo de homem-divino para Sérgio Buarque e para a esmagadora
maioria dos brasileiros, intelectuais ou não. O desmascaramento do fabuloso
esquema de corrupção planetário do capitalismo financeiro americano a partir da
crise de 2008 não parece ter enfraquecido as bases do viralatismo nacional. Já
o patrimonialismo é uma espécie de amálgama institucional do homem cordial,
desenvolvendo todas as suas virtualidades negativas dessa vez no Estado. Por alguma
razão, Sérgio Buarque não constrói o mercado como marcado pela mesma
viralatice. Aliás, o mercado sequer existe como configuração de interesses
organizados, sendo a única instância institucionalizada e organizada, percebida
pelo autor e apartada dos indivíduos, o próprio Estado. Além dele só existem
indivíduos privados, sem que uma lógica da propriedade privada e sua tendência
à acumulação ampliada, levando a oligopólios e monopólios, seja sequer
mencionada. A lógica de funcionamento do mercado é tornada invisível e a noção
de elite dominante, portanto, restringe-se à esfera estatal” (108).
- Raymundo Faoro
faz uma análise anacrônica sobre a relação público-privado durante a formação
do Estado Português. A separação entre público e privado começou a nascer no
século XVII, por isso era natural que “a fazenda real se confundisse com a
fazenda do rei”.
- Ele também
supervalorizada o papel do capitalismo desregulamentado como mola propulsora da
civilização.
- “ [...]no
âmbito de suas generalizações sociológicas, o patrimonialismo acaba se transformando,
de forma implícita, em um equivalente funcional para a mera intervenção
estatal. No decorrer do livro de Faoro, o conceito de patrimonialismo perde crescentemente
qualquer vínculo concreto, passando a ser substitutivo da mera noção de
intervenção do Estado, seja quando este é furiosamente tributário e
dilapidador, por ocasião da exploração das minas no século XVIII, seja quando o
mesmo é benignamente interventor, quando d. João cria, no início do século XIX,
as precondições para o desenvolvimento do comércio e da economia monetária,
quadriplicando a receita estatal e introduzindo inúmeras melhorias públicas.”
(115)
Normalizando a exceção: o conluio entre a grande
mídia e a Lava Jato
- O autor elege
as Organizações Globo como a grande vilã brasileira, na medida em que ela
efetiva, por meio da imbecibilização da população (tanto as classes populares
como a classe média) o viralatismo brasileiro, além de ser instrumento
estadunidense no projeto de submissão do país aos interesses da potência do
norte.
- “Já a PEC 55,
que congela os gastos com saúde e educação, garante o pagamento dos juros reais
mais altos do planeta – um assalto ao bolso coletivo que só os feitos de
imbecis não percebem – por um orçamento pago pelos pobres. Cinquenta e três por
cento do orçamento é pago por pessoas que ganham até três salários mínimos, em
um contexto onde os ricos ou não pagam imposto, ou o sonegam em paraísos
fiscais. Esse é o assalto e a corrupção real, que a corrupção dos tolos – só
dos políticos, como passa na Globo e na revista Veja e é percebida na Lava Jato
– tem o papel de esconder.” (125)
- Aponta também
para o judiciário que adora perseguir a “corrupção dos tolos” enquanto que a
corrupção real é deixada de lado.
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