terça-feira, 30 de junho de 2020

ALGUNS CONCEITOS PARA NÃO EMBARCAR EM FURADAS NA INTERNET


NETIQUETA: são as boas maneiras ao interagir na internet, ou seja, não ofender ninguém em comentários. Caso você seja ofendido, mostre a pessoa que ela está errada e se a mesma não concordar, é melhor deixá-la falando sozinha.

FAKE NEWS: são notícias falsas divulgadas na internet em geral, mas principalmente no Facebook e no Whatsapp. Geralmente são notícias com erros de português, títulos alarmantes, pedidos de compartilhamento, sem fontes de informação e de sites desconhecidos.

BOOT: são robôs com perfis falsos no Facebook, Twitter, Instagram ou Whatsapp que tem como função divulgar notícias falsas ou “esquentar o clima” em posts com comentários com diversos xingamentos na defesa ou ataque de alguém. Fique de olho em perfis com poucas informações, que não divulgam nada próprio, somente “compartilhando”, “encaminhando” e “retuitando” o que outros produziram, sem fotos, com fotos de pessoas com um padrão de beleza acima da média ou com nomes estranhos como Luis567JKL.

PÓS VERDADE: a pós-verdade ocorre alguém aceita um fato mentiroso, desde que ele reforce algo em já acredita. Por exemplo: imagine que você gosta muito de pizza, um alimento altamente calórico. Então um suposto site científico divulga que pizza ajuda a emagrecer. Existem milhares de artigos e reportagens que podem desmentir isso, mas como você gosta muito de pizza pode preferir ignorar as opiniões negativas.

REPORTAGEM CAÇA CLIQUES: são reportagens que não são necessariamente mentiras, mas podem ser perdas de tempo. Geralmente elas usam manchetes sensacionalistas com uso de CAIXA ALTA, reticências (...) que geralmente chamam a atenção. Porém a notícia é totalmente irrelevante. Isso é feito para gerar receitas por meio de anunciantes, coletar dados que podem ser vendidos ou minerar criptomoedas.



Njinga a Mbande (1581-1663) - Rainha do Ndongo e do Matamba


Paulo Dias de Novais foi o 1º português a chegar na região, junto com comerciantes e jesuítas, alegando querer estabelecer laços comerciais com o reino de Ndongo. Ele recebeu autorização do avô de Njinga para ficar no reino. Ele percebeu a organização do local, além do domínio de técnicas agrícolas, de metalurgia e de criação de gado. Também se envolviam no comércio. 5 anos depois ele voltou para Portugal prometendo trazer tropas para combater uma tribo rival.

Em 1575 ele voltou com tropas, mas não para ajudar, mas sim conquistar. A invasão é bem sucedida. O litoral passa para o comando português e é fundada a cidade de Luanda. Muitos habitantes de Ndongo fogem para o interior e os portugueses vão atrás.

Alguns anos depois, ainda em cenário de guerra, nasceu Njinga. Ela aprendeu a ler e escrever com missionários e teve um filho assassinado pelo próprio irmão, temeroso de perder o poder.

Enquanto isso, os portugueses se aliaram aos Mbalangas, guerreiros nômades que pilhavam aldeias e capturavam os seus moradores para serem vendidos aos portugueses. Com a situação se tornando cada vez pior para Ndongo, veio a primeira ação de destaque de Njinga. Em 1622 ela negociou com Dom João Correia De Sousa, vice-rei de Portugal o estabelecimento de paz. Durante as negociações, o vice-rei estava num trono e para ela só havia um tapete. Ela manda que uma de suas ajudantes fique de 4 para servir de cadeira, impondo respeito aos portugueses. Além da paz, ela garantiu a soberania do que restava de Ndongo, sem ter que pagar uma cota de 12 mil negros anuais. Em 1623 ela se converteu ao catolicismo e recebeu o nome de Dona Ana de Sousa. Já em 1624, seu irmão Ngola Mbande, rei do Ndongo morreu e ela assumiu o seu lugar.

Representação de Njinga feita por Achille Devéria em 1830. Fonte: Wikipédia.

Com a troca do vice-rei as agressões recomeçaram. Ela participou tanto no planejamento quanto presencialmente de algumas batalhas. Entre 1641 e 1648 fez uma aliança com os holandeses para recuperar o seu poder. Em 1657, com mais de 70 anos, consegue um acordo de paz com os portugueses, ratificado pelo próprio rei D. Pedro VI.



Referência

MASIONI, Pat; SERBIN, Sylvia; JOUBEAUD, Edouard; et. al. Njinga a Mbande, rainha de Ndongo e Matamba. Série UNESCO Mulheres na história de África. UNESCO: Paris, 2014.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Resumo de "Os sete saberes necessários à educação do futuro" de Edgar Morin


Morin, Edgar, 1921- Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ; tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.

1 – AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: O ERRO E A ILUSÃO
·       “A educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão.” (19)
·       “O conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de percepção que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de percepção acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação, o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do mundo e de seus princípios de conhecimento.” (20)
·       “Poder-se-ia crer na possibilidade de eliminar o risco de erro, recalcando toda afetividade. De fato, o sentimento, a raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo.” (20)
·       “O desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éticos.” (21)
·       “Nossa mente, inconscientemente, tende a selecionar as lembranças que nos convêm e a recalcar, ou mesmo apagar, aquelas desfavoráveis, e cada qual pode atribuir-se um papel vantajoso. Tende a deformar as recordações por projeções ou confusões inconscientes. Existem, às vezes, falsas lembranças que julgamos ter vivido, assim como recordações recalcadas a tal ponto que acreditamos jamais as ter vivido. Assim, a memória, fonte insubstituível de verdade, pode ela própria estar sujeita aos erros e às ilusões.” (22)
·       “Da mesma forma, a racionalidade não é uma qualidade da qual a civilização ocidental teria o monopólio. O ocidente europeu acreditou, durante muito tempo, ser proprietário da racionalidade, vendo apenas erros, ilusões e atrasos nas outras culturas, e julgava qualquer cultura sob a medida do seu desempenho tecnológico. Entretanto, devemos saber que em qualquer sociedade, mesmo arcaica, há racionalidade na elaboração de ferramentas, na estratégia da caça, no conhecimento das plantas, dos animais, do solo, ao mesmo tempo em que há mitos, magia e religião.” (24)
·       “Daí decorre a necessidade de reconhecer na educação do futuro um princípio de incerteza racional: a racionalidade corre risco constante, caso não mantenha vigilante autocrítica quanto a cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a verdadeira racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas também autocrítica.” (24)
·       “Em resumo, o paradigma instaura relações primordiais que constituem axiomas, determina conceitos, comanda discursos e/ou teorias. Organiza a organização deles e gera a geração ou a regeneração.” (27)
·       “Acrescentemos: as crenças e as idéias não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e poder. Dessa maneira, podem possuir-nos.” (28)
·       Deve – se estar preparado para o inesperado.
·       “Quanto sofrimentos e desorientações foram causados por erros e ilusões ao longo da história humana, e de maneira aterradora, no século XX! Por isso, o problema cognitivo é de importância antropológica, política, social e histórica. Para que haja um progresso de base no século XXI, os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez.” (33)
2 – OS PRINCÍPIOS DO CONCEITO PERTINENTE
·       O professor deve desenvolver nos alunos a inteligência geral, capaz de preparar para diversos conhecimentos.
·       A especialização excessiva (cada vez mais comum) traz o encastelamento em áreas do conhecimento e como conseqüência prejudicando – o.
·       “O enfraquecimento da percepção do global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos).” (40/41).
·       “Desse modo, o século XX viveu sob o domínio da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência para lidar com os problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas para a humanidade.” (45)
·       “Daí decorre o paradoxo: o século XX produziu avanços gigantescos em todas as áreas do conhecimento científico, assim como em todos os campos da técnica. Ao mesmo tempo, produziu nova cegueira para os problemas globais, fundamentais e complexos, e esta cegueira gerou inúmeros erros e ilusões, a começar por parte dos cientistas, técnicos e especialistas.” (idem)
3 – ENSINAR A CONDIÇÃO HUMANA
·       As próprias ciências humanas são altamente fragmentadas.
·       “Finalmente, existe a relação triádica indivíduo/sociedade/espécie. Os indivíduos são produtos do processo reprodutor da espécie humana, mas este processo deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos. As interações entre indivíduos produzem a sociedade, que testemunha o surgimento da cultura, e que retroage sobre os indivíduos pela cultura.” (54)
·       “Não se pode tornar o indivíduo absoluto e fazer dele o fim supremo desse circuito; tampouco se pode fazê-lo com a sociedade ou a espécie.” (idem)
·       “Cabe à educação do futuro cuidar para que a idéia de unidade da espécie humana não apague a idéia de diversidade e que a da sua diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade humana.” (55).
·       “A cultura é constituída pelo conjunto dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias, valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas.” (56)
·       “Os que vêem a diversidade das culturas tendem a minimizar ou a ocultar a unidade humana; os que vêem a unidade humana tendem a considerar como secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, é apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a diversidade, a diversidade que se inscreve na unidade.” (57)
·       “As culturas são aparentemente fechadas em si mesmas para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na realidade, são também abertas: integram nelas não somente os saberes e técnicas, mas também idéias, costumes, alimentos, indivíduos vindos de fora.” (idem)
·       “Assim, uma das vocações essenciais da educação do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à tomada de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra...” (61)
4 – ENSINAR A IDENTIDADE TERRENA
·       A unificação mundializante faz-se acompanhar cada vez mais pelo próprio negativo que ela suscita, pelo efeito contrário: a balcanização. O mundo, cada vez mais, torna-se uno, mas torna- se, ao mesmo tempo, cada vez mais dividido. Paradoxalmente, foi a própria era planetária que permitiu e favoreceu o parcelamento generalizado dos Estados-nações; de fato, o pedido de emancipação da nação é estimulado por um movimento de ressurgência da identidade ancestral, que ocorre em reação à corrente planetária de homogeneização civilizacional, e esta demanda é intensificada pela crise generalizada do futuro.” (69)
·       “A unidade, a mestiçagem e a diversidade devem-se desenvolver
·       contra a homogeneização e o fechamento. A mestiçagem não é apenas a criação de novas diversidades a partir do encontro; torna-se, no processo planetário, produto e produtor de religação e de unidade. Introduz a complexidade no âmago da identidade mestiça (cultural ou racial). Com certeza, cada qual pode e deve, na era planetária, cultivar a poliidentidade, que permite integrar a identidade familiar, a identidade regional, a identidade étnica, a identidade nacional, a identidade religiosa ou filosófica, a identidade continental e a identidade terrena. Mas o mestiço, ele sim, pode encontrar nas raízes de sua poliidentidade a bipolaridade familiar, a étnica, a nacional, mesmo a continental, permitindo constituir nele a identidade complexa plenamente humana.” (78)
5 – ENFRENTAR AS INCERTEZAS
·       “Toda evolução é fruto do desvio bem-sucedido cujo desenvolvimento transforma o sistema onde nasceu: desorganiza o sistema, reorganizando-o. As grandes transformações são morfogêneses, criadoras de formas novas que podem constituir verdadeiras metamorfoses. De qualquer maneira, não há evolução que não seja desorganizadora/reorganizadora em seu processo de transformação ou de metamorfose.” (82)
6 – ENSINAR A COMPREENSÃO
·       “Sem dúvida, há importantes e múltiplos progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior.” (93)
·       “A comunicação não garante a compreensão.” (94)
·       “O egocentrismo cultiva a self-deception, tapeação de si próprio, provocada pela autojustificação, pela autoglorificação e pela tendência a jogar sobre outrem, estrangeiro ou não, a causa de todos os males. A self-deception é um jogo rotativo complexo de mentira, sinceridade, convicção, duplicidade, que nos leva a perceber de modo pejorativo as palavras ou os atos alheios, a selecionar o que lhes é desfavorável, eliminar o que lhes é favorável, selecionar as lembranças gratificantes, eliminar ou transformar o desonroso.” (96)
·       “De fato, a incompreensão de si é fonte muito importante da incompreensão de outro. Mascaram-se as próprias carências e fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros.” (97)
·       “Além disso, lembremo-nos de que a possessão por uma idéia, uma fé, que dá a convicção absoluta de sua verdade, aniquila qualquer possibilidade de compreensão de outra idéia, de outra fé, de outra pessoa.” (99)
·       “A ética da compreensão é a arte de viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado. Demanda grande esforço, pois não pode esperar nenhuma reciprocidade: aquele que é ameaçado de morte por um fanático compreende por que o fanático quer matá-lo, sabendo que este jamais o compreenderá. Compreender o fanático que é incapaz de nos compreender é compreender as raízes, as formas e as manifestações do fanatismo humano. É compreender porque e como se odeia ou se despreza. A ética da compreensão pede que se compreenda a incompreensão.” (99)
·       “A tolerância vale, com certeza, para as idéias, não para os insultos, agressões ou atos homicidas.” (102)
7 – A ÉTICA DO GÊNERO HUMANO
·       “Assim, a democracia constitui a união entre a união e a desunião; tolera e nutre-se endemicamente, às vezes explosivamente, de conflitos que lhe conferem vitalidade. Vive da pluralidade, até mesmo na cúpula do Estado (divisão dos poderes executivo, legislativo, judiciário), e deve conservar a pluralidade para conservar-se a si própria.” (109)
·       “As democracias são frágeis, vivem conflitos, e estes podem fazê-la submergir. A democracia ainda não está generalizada em todo o planeta, que tanto comporta ditaduras e resíduos de totalitarismo do século XX, quanto germes de novos totalitarismos. Continuará ameaçada no século XXI. Além disso, as democracias existentes não estão concluídas, mas incompletas ou inacabadas.” (109)
·       “Não existem apenas democracias inacabadas. Existem processos de regressão democrática que tendem a posicionar os indivíduos à margem das grandes decisões políticas (com o pretexto de que estas são muito “complicadas” de serem tomadas e devem ser decididas por “expertos” tecnocratas), a atrofiar competências, a ameaçar a diversidade e a degradar o civismo.” (110)
·       “Estes processos de regressão estão ligados à crescente complexidade dos problemas e à maneira mutiladora de tratá-los. A política fragmenta-se em diversos campos e a possibilidade de concebê-los juntos diminui ou desaparece.” (idem)

domingo, 14 de junho de 2020

Resumo do livro "História da educação: de Confúcio a Paulo Freire.


PILETTI, Cláudio e PILETTI, Nelson. História da educação: de Confúcio a Paulo Freire. São Paulo: Contexto, 2012.
Na obra, os filósofos se propõem a destacarem os pensadores por eles julgados de relevo e dispô-los cronologicamente, numa avaliação da contribuição de cada um para o desenvolvimento da educação. A ideia é boa, afinal um especialista, em qualquer área que seja deve conhecer a  história do seu campo de trabalho, para que possa melhor desenvolvê-lo. No entanto o livro apresenta algumas limitações, inclusive esperadas tendo em vista a grandiosidade proposta.
Nos primeiros capítulos, sobre Confúcio, Moisés, Sócrates, Cícero, Santo Agostinho, Averróes, Tomás de Aquino e Martinho Lutero são marcados pela concisão excessiva. Eles representam apenas uma breve introdução sobre vida obra e contexto no qual esses autores estão inseridos. Personagens tão importantes da História da educação mereciam capítulos com maior musculatura.
Já no capítulo sobre Padre José de Anchieta, eles fazem importantes detalhamentos sobre a contribuição dos jesuítas no estabelecimento da educação na Colônia e os prejuízos que acarretaram a sua abrupta retirada por ordem do Marquês de Pombal em 1759. O capítulo sobre Comênio, assim como os citados é excessivamente sintético. Uma surpresa negativa foi o capítulo dedicado à Rousseau. Por se tratar de filósofos, esperava-se maior destaque a esse autor. O mesmo pode se dizer do capítulo sobre Comte.
A seção dedicada a Nísia Floresta já é mais rico em informações. Nele é destacado o baixíssimo alcance do ensino, principalmente o técnico onde de acordo com os dados citados pelos autores no ano de 1864 haviam apenas 106 alunos matriculados. Além disso, trazem outras informações importantes sobre a educação durante o Brasil Império (1822-1889) como a desnecessidade de se completar o ensino secundário para se ter acesso ao nível superior, o que gerava desestímulo a continuidade desses estudos. Eles destacam a importância de Nísia para o acesso das meninas à educação com a criação do Colégio Augusto no Rio de Janeiro em 1838, que permitiu que elas tivessem acesso a disciplinas como Ciências e Educação Física.
No capítulo sobre José Veríssimo eles analisam as críticas que ele fazia a falta de articulação entre as modalidades de ensino e principalmente a falta de uma rede nacional de ensino. Os autores também fazem uma análise crítica a preferência que foi dada durante a I República (1889-1930) para o ensino de nível superior.
Já sobre Maria de Montessori, ressaltam o fato de a educadora defender a criança como um ser humano completo, e não apenas como uma espécie de “mini adulto” e também a necessidade de uma relação quase que maternal entre educadores e educando. Ao tratar de John Dewey e a Escola Nova, também fazem uma boa análise da obra do americano e da sua defesa em prol de um modelo de ensino que valorizasse o que o aluno trazia de informação consigo e a necessidade de se aliar o conhecimento escolar com o dia a dia dos indivíduos.
É dado destaque a também a Makarenko e sua iniciativa de tornar a escola um ambiente menos competitivo e mais humano. Entretanto, no capítulo sobre Nyerere e seu esforço por um ensino que resgate as tradições culturais do continente africano sufocada pelos colonizadores europeus, há uma visão equivocada da África onde se destaca o continente como tendo longa tradição histórica justamente por causa dos povos que a ocuparam, e não pelos nativos.
A partir de Fernando de Azevedo, todos os educadores abordados são brasileiros. Este especificamente, de acordo com a obra era um grande defensor da padronização e articulação dos currículos escolares, além da ampliação no atendimento aos alunos, melhorias na formação dos professores e até mesmo auxilio financeiros aos estudantes mais necessitados.
Outro capítulo bastante interessante é o sobre Gustavo Capanema e o modelo educacional por ele implantado a partir do Estado Novo em 1937 onde houve uma clara divisão entre o ensino para as classes populares. O primeiro era voltado para uma formação de nível técnico que não permitia o acesso a educação de nível superior, reservando dessa forma para as elites esta modalidade, que deveria formar, os administradores das empresas e dos futuros governantes. Já para o povo era reservado no máximo o ensino técnico, para dessa forma conseguir leve ascensão social e aperfeiçoar a produção industrial.
No capítulo sobre Paulo Freire é destacado a longa luta (13 anos) para aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. Apesar da permanência do Ensino Religioso, houve importantes inovações como a inclusão de Educação Física e a possibilidade a que fizesse cursos técnicos de ter acesso ao nível superior. Também se dá destaque a tentativa do educador pernambucano de alfabetizar milhões de adultos com o método que levava o seu nome, e que visava a educação aliada à conscientização política, mas que foi violentamente encerrado pelo golpe civil-militar de 1964.
Um ótimo capítulo é o que aborda a elitização da educação promovida por Valnir Chagas durante a Ditadura Militar (1964-1985), com a transformação do vestibular em exame eliminatório (antes de 1964 ele era classificatório, gerando excedentes de estudantes que constantemente protestavam pedindo aumento de vagas) e a obrigatoriedade do ensino médio de nível técnico. Dessa forma era garantida a permanência de milhões de jovens nesse nível de ensino, praticamente inviabilizando o acesso ao nível superior, que aliás sofreu um processo de privatização no período, largamente incentivado pelos militares.
Nos três últimos capítulos os autores destacam o papel de Darcy Ribeiro na tentativa de melhorar o ensino brasileiro e de suas frustrações com a UnB, invadida e remodelada pelos militares e os Centros Integrados de Educação Pública - CIEP, grande iniciativa da gestão Leonel Brizola (1983-1987) da qual era vice-governador e de seu encerramento pelo opositor eleito, Moreira Franco, além de suas contribuições para a LDB de 1996. Além de Darcy, eles abordam o papel da UNESCO no auxílio e fiscalização para o alcance de metas de universalização e melhorias na educação, e finalizam tratando do papel do professor na sociedade atual.
Apesar da concisão em alguns capítulos e de alguns anacronismos, o livro tem ótimos capítulos, principalmente os que tratam de acontecimentos mais recentes, além de ter o seu valor em servir como uma introdução ao tema.

sábado, 13 de junho de 2020

Resumo do livro "A ditadura derrotada" de Elio Gaspari


GASPARI, Elio. A ditadura derrotada. 2. Ed. Rio de Janeior: Intríseca, 2014.
Neste livro o autor se propõe a narrar o mandato de Ernesto Geisel e sua relação com Golbery do Couto e Silva. Mais do que isso, ele propõe o entendimento dessas duas figuras para que seja possível compreender as causas da conturbada abertura iniciada em 1974.
Primeira Parte
O autor se dedicou a uma análise da vida dos dois personagens, começando por Geisel. Ernesto nasceu em uma família pobre e seu pai via o ingresso dos filhos homens nas Forças Armadas como uma boa chance de ascensão financeira e social. Um fato curioso é que um prêmio ganho por seu pai na loteria atenuou os problemas financeiros familiares de forma considerável. Ernesto guardava o bilhete de lembrança.
Ele participou da Revolução de 1930 e se tornou secretário da Fazenda da Paraíba. Ele já demonstrava ser um homem retraído e via com maus olhos a participação popular na tomada de decisões. Participou da Revolução de 1932, mas não foi lutar na Segunda Guerra Mundial. Fato importante de destacar é que ele nutria simpatia pela extrema direita.
A partir de 1945 se especializou no golpismo. Ajudou na retirada de Vargas do poder e ficou em cima do muro em 1954. Apoiou a tentativa de barrar a posse de Juscelino Kubitscheck em 1955, a de Jango em 1961 e desde 1962 já participava de reuniões conspiratórias para o golpe.
Era um ferrenho anticomunista. Sua visão de mundo inclusive atrapalhou negócios brasileiros com a União Soviética de trocar bens de consumo por petróleo. Com relação a sua retração, um episódio que acabou contribuindo para o aumento foi a morte de um filho em 1957. Antes de ocupar a presidência da república teve rusgas com Costa e Silva, ocupou a presidência da Petrobrás e cargo no Superior Tribunal Militar.
Gaúcho como Geisel, Golbery não vinha de família pobre. Era oriundo dos estratos médios da sociedade de Rio Grande. Era um conservador, mas não tão próximo da extrema direita como Ernesto. Golbery era um intelectual, entretanto se achava mais genial do que de fato era. Sua participação na ESG, IPÊS, SFICI e depois na edificação do SNI mostram o seu poderio. Assim como Geisel gostava de uma alternativa golpista, mas pelo menos não expressava desprezo pela participação popular na tomada de decisões (o que não quer dizer também aprovava incondicionalmente).
Para chegar à presidência, Geisel contou com a ajuda de seu irmão Orlando. Mas após pouco tempo eles entraram em atrito e a relação dos dois jamais foi a mesma. Geisel logo no início de seu governo destruiu os sonhos de Delfim Netto de se tornar governador de São Paulo e posteriormente presidente. O envolvimento do “guru do milagre” em casos de corrupção facilitaram a vida do presidente.
Geisel se mostrou favorável ao extermínio dos guerrilheiros do Araguaia. Golbery não era apoiador nem da tortura e muito menos do extermínio, mas não se opôs fortemente a eles.
Aos poucos a pressão da Igreja Católica foi surtindo efeito. As torturas e os desaparecimentos foram diminuindo, até que entrou em cena a “linha dura”. Eles estavam lotas em sua maioria em órgãos de informação como o SNI querendo esquentar as coisas novamente. E começaram elegendo um novo inimigo: o PCB.
O PCB não estava envolvido na luta armada e a maioria de seus integrantes nem estavam na clandestinidade. Ainda assim foram enquadrados como “ameaça” ao regime. A trágica Chacina da Lapa em 1976 que ceifou a vida de três integrantes do partido é um exemplo da opção covarde da linha dura. Geisel e Golbery perceberam o monstro que tinham criado e com paciência e movimentos cirúrgicos foram “podando” o SNI.
Em novembro de 1974 veio das urnas o resultado arrasador da inflação e da má qualidade de vida dos mais pobres. Inicialmente o governo previra que ganharia de 18 a 22 cadeiras na disputa pelo senado. O resultado: MDB 26 X 6 ARENA. A cúpula do regime não enxergou o que de fato levou a fragorosa derrota. Geisel culpava o povo de não saber votar, João Figueiredo foi além e taxou os eleitores de “povo de merda”.
Eles também jogaram a culpa no presidente da ARENA, Petrônio Portela. Ele não teria sido capaz de enxergar as potencialidades do MDB. Geisel preferiu num primeiro momento aceitar o resultado. Enquanto isso a linha dura mostrava força prendendo e torturando sem motivo aparente a economista Maria da Conceição Tavares. O que foi ainda pior foi a audácia da linha dura. Quando Geisel e Golbery pediram informações sobre ela no SNI eles informaram que não havia ninguém lá presa com esse nome.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Resumo do livro "A ditadura escancarada" de Elio Gaspari


GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2. Ed. . Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.
Parte I – O choque
As ações da esquerda foram supervalorizadas pelo Estado para justificar práticas ilegais de tortura. No início dos anos 1970, países como os Estados Unidos enfrentaram casos de atentados à bomba na casa das centenas. Na Irlanda chegou aos milhares. Nem por isso a tortura virou política de Estado (p. 21).
A ideia defendida por muitos militares brasileiros de que terroristas não teriam direitos, nasceu da Guerra de Libertação da Argélia onde o cel. Jacques Massu a praticava contra os guerrilheiros da Frente Nacional de Libertação – FNL. Até religiosos apoiavam a prática como o bispo de Diamantina d. Geraldo Proença Sigaud (p. 22).
Apesar de acobertaa pelo Estado, muitos torturadores foram premiados com a Medalha do Pacificador (p. 24). Foi comum oficiais afirmarem que se houve torturas, foram casos isolados perpetrados por degenerados, o que na verdade um ato covarde de eximir da culpa.
O torturador vive a tensão de ser descoberto e abandonado pelos superiores que o apoiavam (p. 25). Apesar disso, a tortura era interessante do ponto de vista da progressão de carreira, seja nas Forças Armadas, seja na policia. Sérgio Paranhos Fleury é um exemplo de ascensão meteórica após usa entrada no ramo da tortura (p. 28). A colaboração de médicos, empresários e poder judiciário acabou ajudando no êxito dessa prática. O autor observa que tanto a direita quanto a esquerda viam com maus olhos a confissão. A tortura é feita para levar o indivíduo a uma situação-limite e falar, o que ainda assim o faz ficar mal visto em seu grupo.
Lamarca havia dado fuga a uma capitão brizolista ainda em 1964 (p. 48). Quando Onofre Pinto mandou que ele saqueasse o 4. Regimento de Infantaria, o plano era bombardear o Palácio dos Bandeirantes, entre outros alvos militares (p. 49). O plano acabou nem saindo do papel devido ao fato de os militantes terem sido presos em Itapecerica da Serra. Lamarca fugiu com menos armas que havia planejado e a VPR teve que pedir ajuda a ALN (p. 49-50). A partir dessas prisões, a repressão foi entendendo o funcionamento dos grupos armados. Metade das armas roubadas foram recuperadas (p. 51).
O MR-8, apesar de pequeno e facilmente desarticulado, tinha em seus quadros uma figura interessante. Jorge Medeiros do Valle, chamado também de “Bom Burguês”. Ele trabalhava no Banco do Brasil e desviou mais de dois milhões de dólares (p. 51). Parte desse dinheiro foi para o seu grupo e o PCBR.
Sobre o dinheiro: “Um pedaço, que pode ter variado de 800 mil a 1 milhão de dólares, foi entregue a um diplomata argelino. Outro estimado entre 250 mil e meio milhão, foi depositado na Suíça. Assim, algo entre 1 milhão e 1,6 milhão de dólares ficou no Brasil. É certo que um espertalhão francês embolsou parte da poupança externa do grupo (56).”
Nem Ana Capriglioni ou os herdeiros de Ademar deram queixa do dinheiro. Alegaram que o cofre estava vazio (p. 57). Todos os assaltos a bancos anteriores haviam rendido 450 mil dólares (p. 58).
Apesar de durante a Segunda Guerra Mundial o gen. Ernani Ayrosa da Silva ter sido ajudado por um médico inimigo, ele não guardou uma gratidão pelo gesto de compaixão já que foi um dos articuladores da OBAN (p. 62).
O governador Abreu Sodré participou da inauguração do órgão (p. 63). O governo federal liberou a busca por recursos privados para a montagem do órgão. A OBAN funcionava num bairro de classe média. É de se suspeitar que nenhum morador soubesse do que ocorria ali. Várias empresas contribuíram para o êxito da empreitada. A Ford e a Volkswagen cediam carros. A Ultragás caminhões e a Supergel refeições congeladas (p. 64).
Uma fato interessante citado por Gaspari sobre o período é à respeito dos incêndios nos prédios da Record, Globo e Bandeirantes de São Paulo. Os atos foram imputados a grupos terroristas, mas na verdade pode ter sido um golpe das mesmas para receberem seguro. Walter Clark, diretor-geral da Rede Globo disse: “Para nós, isso foi simplesmente o melhor que podia acontecer” (p. 67).
Os integrantes da OBAN foram escolhidos à dedo entre os piores policiais de São Paulo. Além de matador, Fleury dava proteção a traficante de drogas (p. 67-68). O mesmo ocorria em muitos outros casos. Essas escolhas não eram à toa. A ideia era de que: “Nada melhor que marginais para capturarem outros marginais”. Gaspari chama a atenção para o fato de que:
“O que se apresentava como uma militarização doas operações policiais tornou-se uma policialização das operações militares. O delegado Sérgio Fleury não ficou parecido com um oficial do Exército. Eram oficiais do Exército que ficavam parecidos com ele” (p. 69).
Costa e Silva, além de implacável com ex-apoiadores de Castello e de ter aprovado o AI-5 era, ele próprio, altamente corrupto. Vários de seus parentes receberam benesses em seus governos (p. 73). Apesar de pessoas próximas e o próprio presidente ter percebido que havia algo de errado com sua saúde, o médico da presidência, o cap. Hélcio Simões insistia que o problema era de estafa (p. 80). Em pouco mais de 24 horas, ele perdeu várias vezes a fala e sentiu tonturas. Ele próprio suspeitou estar tendo um derrame, mas as respostas eram as mesmas (p. 81-82).
Quando a situação se deteriorou, na madrugada de 29 de agosto, o gen. Jayme Portella tentou esconder o fato de todos, incluindo a família de Costa e Silva (82-83). Ele foi levado ao Rio de Janeiro com um cachecol na cara para tentar disfarçar o início da paralisia facial. No Palácio das Laranjeiras, Portella foi informado que ele deveria ser levado a uma casa de saúde. No entanto ele optou que o presidente fosse tratado no próprio palácio (idem).
A intenção de Portella era não só impedir que o vice Pedro Aleixo assumisse como também que a substituição de Costa e Silva fosse transitória (p. 84). Em pouco mais de 48 horas Costa e Silva estava incapacitado e ainda assim a farsa foi mantida. Em seguida Portella armou o triunvirato. Carlos Medeiros, o mesmo jurista que havia trabalhado na elaboração da Constituição de 1937, ajudou na legitimação a Junta Militar. Aleixo foi enviado ao Rio de Janeiro onde foi informado da situação e impossibilitado de sair (p. 86-87).
O sequestro do embaixador Charles Elbrick pegou a Junta Militar totalmente de surpresa. Mas o “final feliz” a fortaleceu. O sequestro marcou o ápice e o início da derrocada da luta armada (p. 99-100). A disseminação da tortura começou a amedrontar interessados em  participar da luta armada e também quem já estava envolvido. Virgílio Gomes da Silva foi a primeira vítima fatal de torturas em 1969 (p. 105).
Vendo a deterioração da situação, o gen. Affonso Augusto de Albuquerque Lima tentou viabilizar sua candidatura à presidência. Era um oficial de três estrelas. Passado o sequestro de Elbrick, a Junta voltou a perder legitimidade entre os militares. Garrastazu Médici, general de quatro estrelas próximo de Costa e Silva foi ganhando espaço na corrida presidencial. Inicialmente disse que não queria ocupar o cargo, mas rapidamente foi mudando de ideia (p. 122). Médici não tinha histórico de se envolver em sublevações. Mesmo no golpe de 1964, aderiu de última hora. Foi o famoso “comendo pelas beiradas”.
Parte II – A derrota
Para o autor o “Manual do Guerrilheiro Urbano” de Marighella era mais m panfleto propagandístico do que um manual de luta (p. 144). Ele tinha ótima imagem no exterior, tendo chegado a receber oferecimento de auxílio de Godard e Miró (p. 147).
Enquanto que a caçada de militantes de esquerda se tornava cada vez mais feroz, a contra os corruptos patinava. A Comissão Geral de Investigações criada pelo general Oscar Luiz da Silva tinha aberto 1500 processos, no entanto somente seis fora concluídos (p. 162).
No segundo semestre de 1970 os grupos armados estavam eliminados ou desarticulados no meio urbano.  O autor diz que: “Dentro do raciocínio funcional, a morte do preso chegava a ser uma inconveniente para as investigações” (p. 174). Mais à frente ,Gaspari informa:
“A inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão politica passava a exigir mais que silêncio ou tolerância. Tratava-se de encobrir homicídios por meio de versões insustentáveis, pondo em funcionamento uma nova engrenagem. De um lado o porão demonstrava força impondo usa mordaça à oficialidade e ao aparelho judiciário. De outro, ampliava seu contenciosos com a sociedade e transformava a tortura numa linha demarcatória entre o repúdio e o apoio ao regime” (p. 175).
O apoio do Estado à repressão era geral. Até Chagas Freitas, o único governador de estado do MDB apoiou, através da construção do prédio do DOI da Guanabara (p. 179). Gaspari cita que: “ Repetia-se no DOI o efeito genético da OBAN, misturando-se informações, operações, carceragens e serviços jurídicos” (p. 182).
A briga de egos entre os torturados era um problema. Waldyr Coelho se desentendeu com Fleury, que foi tirado do DOPS, mas se aliou ao CENIMAR e continuou na atividade, sendo reabilitado anos depois. Brilhante Ustra foi mandado para a seção de informações do II Exército mesmo tendo sido reprovado no exame psicotécnico (p. 189).
Com “know how” britânico, foi criado na Guanabara um setor que se concentrava na tortura psicológica e física sem deixar marcas. O método era usado em presos de menor importância, quando não havia tanta pressa na confissão. Porém, via de regra pernameceu a aplicação de abusos mais pesados como os choques e o pau-de-arara (p. 192).  A máquina da tortura criou anomalias dentro das Forças Armadas como o atropelo de patentes.
Para Gaspari, além do fantasma da tortura, a repressão, a elitização do movimento e o foco numa “elitização do proletariado” ao invés da volta da democracia foram os fatores causadores da derrota da luta armada (p. 197). Os setores moderados tendiam a buscar apoio da Igreja Católica e do MDB.
Mesmo pequena, a guerrilha se mostrava preparada. Ou talvez fosse o aparelho estatal que tivesse despreparado... A fuga de Lamarca e seus homens do Vale do Paraíba, cercado por mil e quinhentos militares é um exemplo. A proporção era de 80 soldados para um guerrilheiro. Esses homens enfrentaram as Forças Armadas duas vezes, matara um tenente e roubaram um caminhão militar, tendo rendido os seus ocupantes e os deixados de cueca. Isso sem contar o fato de que foram delatados várias vezes pela população local (p. 205).
Havia uma euforia com o crescimento econômico. Citando Helen Shapiro, Gaspari registrou que: “Um em cada dois brasileiros achava que o nível de vida estava melhorando, e sete em cada dez acreditavam quem 1971 seria uma ano de prosperidade econômica superior a 1970” (p. 213). A repressão à imprensa, que entre 1964 e 1968 ainda era pequena aumentou, chegando ao ponto de José Sette Câmara, primeiro governador da Guanabara e diretor do Jornal do Brasil ser preso (p. 217). Niomar Moniz Sofré Bittencourt dono do Correio da Manhã foi preso, assim como o dono do Jornal do Brasil por ter criticado o governo no México. Ainda assim, surgiram jornais alternativos como o Opinião e o Pasquim.
Parte III – A vitória
Gaspari abre dizendo que “[...] a erosão da estrutura institucional da sociedade brasileira  chegara a um ponto em que só restava a Igreja como força política capaz de se mobilizar em defesa dos direitos humanos” (p. 230).
JK apoiou não só o golpe como a cassação de membros do seu partido, achando que o seu caminho para 1965 ficaria mais fácil. Ledo engano. Em junho já havia perdido o seu mandato (p. 231). Lacerda agiu de forma semelhante e teve o mesmo fim. O Congresso teve 281 parlamentares cassados. Isso praticamente inviabilizava a existência de uma oposição (idem). 65 professores universitários foram demitidos, indo de comunistas como João Batista Villanova a conservadores como Eulália Lahmeyer Lobo (p. 233). Caio Prado Júnior, sexagenário, ficou mais de uma não preso por causa de uma entrevista no Revistão da Faculdade de Filosofia da USP (p. 234).  Antes do AI-5, os atos de tolhimento da liberdade tinham prazos.
No campo econômico, Delfim Netto centralizou ainda mais a cobrança de impostos no governo federal, deixando os estados e municípios reféns de Brasília. O empresariado lucrava, mas foi desmobilizado. A FIESP por exemplo perdeu importância (p. 240).
Sobre a participação da Igreja Católica, d. João Resende Costa abençoou sob sigilio a rebelião de Magalhães Pinto (p. 241). Vários padres parlamentares faziam oposição raivosa a Jango e mesmo com grande parte da Igreja apoiando o golpe, ficava caro que não estavam dispostos a fazer isso por muito tempo (p. 243). Os dominicanos tiveram participação ativa na resistência ao golpe até serem pegos em 1968.
A ala progressista sofria. D. Hélder Câmara, influente nas camadas populares do Rio de Janeiro foi transferido para Recife-Olinda dias antes do golpe. Ele, que fundou a CNBB, ficou isolado.
A expulsão do padre-operário belga Pierre-Joseph Wauthier fez com que o cardeal Agnelo Rossi, então presidente da CNBB se recusasse a receber a Ordem Nacional do Mérito (p. 256). A ala conservadora foi perdendo espaço e a CNBB se colocou totalmente contra o AI-5.
Em 1969, o padre Antônio Henrique Pereira Neto, muito próximo de d. Hélder Câmara foi assassinado no Recife. Tentaram desonrar o mesmo ligando a drogas e a homossexualidade (p. 264). Porém, a caminhonete usada no crime era da policia e a mãe do padre foi ameaçada (idem). A CNBB condenou o fato mas não com a veemência necessária. Houve elementos como o ex-seminarista Leonildo Tabosa Pessoa e outros religiosos de direita que ajudavam o DOPS na montagem de documentos (p. 272).
Nos Estados Unidos, foi criado o American Committee For Information On Brazil para divulgar as torturas. Com a contribuição de Miguel e Violeta Arraes foi criada também a Frente Brasileira de Informações (p. 276).Os dados vinham da Igreja e de organizações de combate ao regime.
Ao governo restava as ridículas acusações de que os repórteres e meios de comunicação estrangeiros estavam à serviço do comunismo. Através das mãos do cardeal canadense Maurice Roy chegou ao papa Paulo VI um dossiê sobre as torturas cometidas pelos militares (p. 280). Apesar de sua postura covarde durante a Segunda Guerra Mundial, Paulo VI se reuniu com d. Hélder Câmara e condenou de forma veemente a tortura. Aos militares restou a censura sobre o fato (p. 282). Entretanto, a ala conservadora ainda se manifestava. D. Agnelo Rossi por exemplo criticou o envio de informações para o exterior, dizendo que “Havendo-se roupa suja, lava-se em casa” (p. 283).
Ironicamente foi a imprensa, o setor acadêmico e alguns parlamentares estadunidenses que fizeram as críticas mais contundentes ao regime no exterior. Por interesses econômicos (venda de caças Mirage ao governo brasileiro), o ministro do interior francês mandou recolher obra sobre Marighella. O resultado é que ela voltou ao mercado com o patrocínio das 21 maiores editoras francesas (p. 290).
Na tentativa de melhorar a sua imagem, o governo lançou mão dos “arrependidos”, que gravavam depoimentos para emissoras de televisão dizendo se arrependerem de terem entrado na luta armada e que não foram torturados. Alguns foram obrigados a darem esses depoimentos, tendo havido caso de suicídio logo após a soltura (p. 293). Outros dizem que de fato se arrependeram.
Internamente, Nelson Rodrigues, apoiador dos militares, faia o que podia em suas colunas para atacar d. Hélder Câmara (p. 297). O SNI divulgava no Brasil e no exterior o fato de na juventude d. Hélder ter sido integralista (p. 298), fato que pelo menos na Escandinávia parece ter dado efeito já que, contrariando as expectativas, ele não venceu o Prêmio Nobel.
Mesmo com as campanhas financiadas por governo, industriais, comerciantes e latifundiários para melhorar a imagem do país, as estratégias não funcionavam. Sean MacBride da Anistia Internacional passou a pressionar o país. A eleição de Allende e o assassinato de Dan Mitrione fez com que o governo estadunidense se tornasse ainda mais conivente com os crimes dos militares.
O governo continuava a agir impunimente. Jarbas Passarinho assumia a tortura, mas tratava como uma exceção de desequilibrados. Entrou em cena Hélio Bicudo, que conseguiu provas mais do que suficientes contra o delegado Fleury, mas passou a receber ameaças de morte, e até mesmo pressão do governador Abreu Sodré (p. 321).
A tortura havia se tornado prática tão comum que passou a atingir o próprio Exército. Treze soldados foram torturados, sendo que quatro morreram pelo fato de terem fumado maconha no quartel. O crime ganhou repercussão, mas os envolvidos tiveram penas brandas (p. 324-328).
Marcelo Rubens Paiva, ex-deputado federal com tímida atuação contra a ditadura foi brutalmente assassinado e de nada adiantou a mobilização do MDB e da OAB para descobrir a verdade e encontrar o seu corpo. Ficou valendo a absurda versão oficial de resgate enquanto era transportado por agentes.
D. Evaristo Arns, líder da ala progressista da Igreja foi expulso de reunião com o presidente Médici após questioná-lo sobre a tortura de presos.
No final de 1970 a maioria dos militantes estava presa ou exilada. Para os que continuavam, a luta era mais um dever moral para com os que morreram ou foram presos.
Logo após os golpe, cabo Anselmo se refugiou na embaixada do México e conseguiu asilo. Estranhamente desistiu e entrou para a AP, tendo sido preso em seguida (p. 350). Foi mandado para o DOPS e depois para a delegacia do Alto da Boa Vista onde passou a ajudar em atividades burocráticas e na cobrança de propinas em casas de jogo e bocas de fumo (idem).
Em 1966 a AP o “libertou”. Mesmo com esse histórico foi enviado para treinamento em Cuba. Voltou em 1970 na VPR e em maio de 1971 foi preso, sem que se soubesse de sua identidade. A partir daí, passou a trabalhar de forma mais ativa para o DOPS. Na VPR seu nome era Jonatas, no órgão da repressão era Kimble (p. 353).
Além de entregar companheiros, analisava depoimentos e ajudava na construção das perguntas. Várias foram as pistas deixadas por ele de que ele era um traidor. Dois integrantes da VPR sumiram depois de se encontrarem com ele. Um torturador revelou a uma vítima e até o próprio Anselmo revelou isso a um colega. Essas noticias chegaram a Chile, mas foram ignoradas (p. 353-354).
Em Recife ele infiltrou um subordinado de Fleury e graças à essa contribuição, seis integrantes foram brutalmente assassinados, entre eles, Soledad Barred Viedma, companheira de Anselmo e grávida, foi uma das vítimas.
Anselmo não foi o único traidor. O PCB, a ALN, a VPR e o Molipo sofreram com isso. João Henrique Ferreira de Carvalho por exemplo, foi o responsável pela morte de quase dez integrantes da ALN (p. 355). Houve casos também de traições dentro da família como foi o caso de José Carlos da Mata Machado, morto devido à denúncia de seu cunhado (p. 398).
Parte IV – A gangrena
O envolvimento de militares no crime se tornou uma constante. Agiam junto com policiais e o contrabando era o setor de maior interesse. Um exemplo do grau de corrupção é que o sargento Euler Moreira de Moraes conseguiu acumular em pouco tempo dois apartamentos, oito casas, dois carros, uma loja e um sítio (p. 375). Ele juntamente com outros militares chegaram a ser presos numa investigação da Policia Federal e do SNI. Eles alegaram que foram torturados durante os depoimentos e foram absolvidos (p. 380).
O cap. Aílton Guimarães, que em seu teste de aptidão havia sido considerado ideal para combater a subversão e a corrupção se tornou o “imperador da contravenção”, dominando o jogo do bicho em grandes extensões do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Era padrinho da escola de samba Unidos da Vila Isabel e chegou a presidir a LIESA (p. 382)
Era questão de honra para os militares impedirem a prisão de Fleury. Eles se mobilizaram para mudarem a lei, permitindo que réus primários, com bons antecedentes ficassem livres mesmo depois de condenados, enquanto aguardavam recurso (idem).
Citando Amílcar Lobo, Gaspari aponta que teria sido Orlando Geisel quem deu ordem para matar banidos que ousassem voltar clandestinamente ao país (p. 386). Essa politica começou a ser colocada em prática pelo CIE em 1971, órgão sob a liderança do gen. Milton Tavares de Souza, o “Miltinho”, aliado incondicional de Geisel (p. 387-388). Entre 1971 e 1974 198 militantes foram assassinados. Desses, cinquenta morreram antes dos 25 anos de idade (p. 394).
A primeira investida contra os guerrilheiros do Araguaia em 1972 contava com mais homens do que as três primeiras enviadas à Canudos e ainda assim fracassou.  A segunda expedição em 1973 foi integrada por homens com treinamento na selva e receberam instrução de não deixar sobreviventes (p. 408-409).
Oswaldão impunha respeito. Ao mesmo tempo em que era temido pelos militares, também era uma meta pegá-lo. Quando o camponês Arlindo Vieira, de apelido Piauí, matou Oswaldão, seu corpo foi pendurado num helicóptero se soltou e foi recolocado. Depois da exibição, seu corpo foi decapitado (p. 414).
Os guerrilheiros tentaram se aproximar da população local, mas não informavam com clareza o que pretendiam, nem mesmo informavam com clareza o que fingiam fazer ali. Existem duas versões para a descoberta do grupo. A primeira de que Peri (Pedro Albuquerque), capturado em Fortaleza com a esposa teria entregado informações sob tortura. A segunda, é de que Regina, esposa de Lúcio Petit da Silva estava doente e ao voltar para São Paulo fez a denúncia por pressões familiares (p. 422). Os guerrilheiros ficaram alertas, mas nem tanto. Quando foram descobertos, não estavam na força máxima. Faltavam mais 13 pessoas, para se juntarem às 71 já presentes na região. Os depósitos de comida e armas também não estavam totalmente abastecidos (p. 424-425).
João Amazonas foi avisado da presença de militares quando estava em Anápolis e voltou para São Paulo (p. 426). Enquanto isso os militares aterrorizavam a população local com prisões e torturas indiscriminadas. A violência, somada ao oferecimento de recompensas, fez com que os guerrilheiros aos poucos fossem sendo descobertos (p. 430). Após a violência, o governo tentou “reconquistar” os moradores enviando médicos e participando da intermediação para que os fazendeiros garantissem direitos trabalhistas aos seus funcionários (p. 431).
A vitória de 1972 e a tomada de um posto policial em Marabá, fez com que os guerilheiros adquirissem uma perigosa autoconfiança. Oswaldão sugeriu a criação de uma rota de fuga, mas foi voto vencido (p. 442). Em 1973, Curió se infiltrou na região.
Mais de 300 moradores da região foram presos e a maioria barbaramente torturada (p. 446). Alguns tiveram bens roubados por militares sob a alegação de que haviam colaborado com os guerrilheiros (p. 448). Seis famílias acabaram aderindo à luta (p. 450).
Assim como em Canudos e no Contestado, os guerrilheiros do Araguaia foram taxados de “fanáticos” e foram degolados. Mesmo tendo jogado folhetos na selva informando que poupariam os que se rendessem, eles executaram quem o fez, com exceção dos moradores da região que se envolveram na luta (p. 467). A última guerrilheira a tombar foi Walkíria Afonso Costa, ex-aluna da FAE/UFMG em 25 de outubro de 1974 (p. 469).
O saldo final da barbárie foram 59 integrantes do PC do B mortos e 10 moradores do Araguaia totalizando 69. Enquanto que os integrantes do PC do B foram homenageados e as famílias foram indenizadas, os moradores do Araguaia vitimados mal são lembrados e muitos familiares ainda lutam para receber algum tipo de indenização (p. 470).
A mitificação da guerrilha foi enorme por parte do PC do B. Os jornais do partido divulgavam vitórias dos combatentes quando eles já havia sido exterminados. Somente em 1976 foram admitidos “retrocessos” (p. 471).
O Estado agiu de forma totalmente clandestina. Não foram gerados IPM’s, denúncias formais ou sentenças judiciais (p. 444).  

Lá vem o papo de "Minirreforma trabalhista"

  Após a derrota da proposta do governo federal de uma minirreforma trabalhista, que sob o pretexto de criar empregos, pretendia acabar com ...