GASPARI, Elio. A ditadura
escancarada. 2. Ed. . Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.
Parte
I – O choque
As
ações da esquerda foram supervalorizadas pelo Estado para justificar práticas
ilegais de tortura. No início dos anos 1970, países como os Estados Unidos
enfrentaram casos de atentados à bomba na casa das centenas. Na Irlanda chegou
aos milhares. Nem por isso a tortura virou política de Estado (p. 21).
A
ideia defendida por muitos militares brasileiros de que terroristas não teriam
direitos, nasceu da Guerra de Libertação da Argélia onde o cel. Jacques Massu a
praticava contra os guerrilheiros da Frente Nacional de Libertação – FNL. Até
religiosos apoiavam a prática como o bispo de Diamantina d. Geraldo Proença
Sigaud (p. 22).
Apesar
de acobertaa pelo Estado, muitos torturadores foram premiados com a Medalha do
Pacificador (p. 24). Foi comum oficiais afirmarem que se houve torturas, foram
casos isolados perpetrados por degenerados, o que na verdade um ato covarde de
eximir da culpa.
O
torturador vive a tensão de ser descoberto e abandonado pelos superiores que o
apoiavam (p. 25). Apesar disso, a tortura era interessante do ponto de vista da
progressão de carreira, seja nas Forças Armadas, seja na policia. Sérgio
Paranhos Fleury é um exemplo de ascensão meteórica após usa entrada no ramo da
tortura (p. 28). A colaboração de médicos, empresários e poder judiciário
acabou ajudando no êxito dessa prática. O autor observa que tanto a direita
quanto a esquerda viam com maus olhos a confissão. A tortura é feita para levar
o indivíduo a uma situação-limite e falar, o que ainda assim o faz ficar mal
visto em seu grupo.
Lamarca
havia dado fuga a uma capitão brizolista ainda em 1964 (p. 48). Quando Onofre
Pinto mandou que ele saqueasse o 4. Regimento de Infantaria, o plano era
bombardear o Palácio dos Bandeirantes, entre outros alvos militares (p. 49). O
plano acabou nem saindo do papel devido ao fato de os militantes terem sido
presos em Itapecerica da Serra. Lamarca fugiu com menos armas que havia
planejado e a VPR teve que pedir ajuda a ALN (p. 49-50). A partir dessas
prisões, a repressão foi entendendo o funcionamento dos grupos armados. Metade
das armas roubadas foram recuperadas (p. 51).
O
MR-8, apesar de pequeno e facilmente desarticulado, tinha em seus quadros uma
figura interessante. Jorge Medeiros do Valle, chamado também de “Bom Burguês”.
Ele trabalhava no Banco do Brasil e desviou mais de dois milhões de dólares (p.
51). Parte desse dinheiro foi para o seu grupo e o PCBR.
Sobre
o dinheiro: “Um pedaço, que pode ter variado de 800 mil a 1 milhão de dólares,
foi entregue a um diplomata argelino. Outro estimado entre 250 mil e meio
milhão, foi depositado na Suíça. Assim, algo entre 1 milhão e 1,6 milhão de
dólares ficou no Brasil. É certo que um espertalhão francês embolsou parte da
poupança externa do grupo (56).”
Nem
Ana Capriglioni ou os herdeiros de Ademar deram queixa do dinheiro. Alegaram
que o cofre estava vazio (p. 57). Todos os assaltos a bancos anteriores haviam
rendido 450 mil dólares (p. 58).
Apesar
de durante a Segunda Guerra Mundial o gen. Ernani Ayrosa da Silva ter sido
ajudado por um médico inimigo, ele não guardou uma gratidão pelo gesto de
compaixão já que foi um dos articuladores da OBAN (p. 62).
O
governador Abreu Sodré participou da inauguração do órgão (p. 63). O governo
federal liberou a busca por recursos privados para a montagem do órgão. A OBAN
funcionava num bairro de classe média. É de se suspeitar que nenhum morador
soubesse do que ocorria ali. Várias empresas contribuíram para o êxito da
empreitada. A Ford e a Volkswagen cediam carros. A Ultragás caminhões e a
Supergel refeições congeladas (p. 64).
Uma
fato interessante citado por Gaspari sobre o período é à respeito dos incêndios
nos prédios da Record, Globo e Bandeirantes de São Paulo. Os atos foram
imputados a grupos terroristas, mas na verdade pode ter sido um golpe das
mesmas para receberem seguro. Walter Clark, diretor-geral da Rede Globo disse:
“Para nós, isso foi simplesmente o melhor que podia acontecer” (p. 67).
Os
integrantes da OBAN foram escolhidos à dedo entre os piores policiais de São
Paulo. Além de matador, Fleury dava proteção a traficante de drogas (p. 67-68).
O mesmo ocorria em muitos outros casos. Essas escolhas não eram à toa. A ideia
era de que: “Nada melhor que marginais para capturarem outros marginais”.
Gaspari chama a atenção para o fato de que:
“O
que se apresentava como uma militarização doas operações policiais tornou-se
uma policialização das operações militares. O delegado Sérgio Fleury não ficou
parecido com um oficial do Exército. Eram oficiais do Exército que ficavam
parecidos com ele” (p. 69).
Costa
e Silva, além de implacável com ex-apoiadores de Castello e de ter aprovado o
AI-5 era, ele próprio, altamente corrupto. Vários de seus parentes receberam
benesses em seus governos (p. 73). Apesar de pessoas próximas e o próprio
presidente ter percebido que havia algo de errado com sua saúde, o médico da
presidência, o cap. Hélcio Simões insistia que o problema era de estafa (p.
80). Em pouco mais de 24 horas, ele perdeu várias vezes a fala e sentiu
tonturas. Ele próprio suspeitou estar tendo um derrame, mas as respostas eram
as mesmas (p. 81-82).
Quando
a situação se deteriorou, na madrugada de 29 de agosto, o gen. Jayme Portella
tentou esconder o fato de todos, incluindo a família de Costa e Silva (82-83).
Ele foi levado ao Rio de Janeiro com um cachecol na cara para tentar disfarçar
o início da paralisia facial. No Palácio das Laranjeiras, Portella foi
informado que ele deveria ser levado a uma casa de saúde. No entanto ele optou
que o presidente fosse tratado no próprio palácio (idem).
A
intenção de Portella era não só impedir que o vice Pedro Aleixo assumisse como
também que a substituição de Costa e Silva fosse transitória (p. 84). Em pouco
mais de 48 horas Costa e Silva estava incapacitado e ainda assim a farsa foi
mantida. Em seguida Portella armou o triunvirato. Carlos Medeiros, o mesmo
jurista que havia trabalhado na elaboração da Constituição de 1937, ajudou na
legitimação a Junta Militar. Aleixo foi enviado ao Rio de Janeiro onde foi
informado da situação e impossibilitado de sair (p. 86-87).
O
sequestro do embaixador Charles Elbrick pegou a Junta Militar totalmente de
surpresa. Mas o “final feliz” a fortaleceu. O sequestro marcou o ápice e o
início da derrocada da luta armada (p. 99-100). A disseminação da tortura começou
a amedrontar interessados em participar
da luta armada e também quem já estava envolvido. Virgílio Gomes da Silva foi a
primeira vítima fatal de torturas em 1969 (p. 105).
Vendo
a deterioração da situação, o gen. Affonso Augusto de Albuquerque Lima tentou
viabilizar sua candidatura à presidência. Era um oficial de três estrelas.
Passado o sequestro de Elbrick, a Junta voltou a perder legitimidade entre os
militares. Garrastazu Médici, general de quatro estrelas próximo de Costa e
Silva foi ganhando espaço na corrida presidencial. Inicialmente disse que não
queria ocupar o cargo, mas rapidamente foi mudando de ideia (p. 122). Médici
não tinha histórico de se envolver em sublevações. Mesmo no golpe de 1964,
aderiu de última hora. Foi o famoso “comendo pelas beiradas”.
Parte
II – A derrota
Para
o autor o “Manual do Guerrilheiro Urbano” de Marighella era mais m panfleto
propagandístico do que um manual de luta (p. 144). Ele tinha ótima imagem no
exterior, tendo chegado a receber oferecimento de auxílio de Godard e Miró (p.
147).
Enquanto
que a caçada de militantes de esquerda se tornava cada vez mais feroz, a contra
os corruptos patinava. A Comissão Geral de Investigações criada pelo general
Oscar Luiz da Silva tinha aberto 1500 processos, no entanto somente seis fora
concluídos (p. 162).
No
segundo semestre de 1970 os grupos armados estavam eliminados ou desarticulados
no meio urbano. O autor diz que: “Dentro
do raciocínio funcional, a morte do preso chegava a ser uma inconveniente para
as investigações” (p. 174). Mais à frente ,Gaspari informa:
“A
inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão politica passava a
exigir mais que silêncio ou tolerância. Tratava-se de encobrir homicídios por
meio de versões insustentáveis, pondo em funcionamento uma nova engrenagem. De
um lado o porão demonstrava força impondo usa mordaça à oficialidade e ao
aparelho judiciário. De outro, ampliava seu contenciosos com a sociedade e
transformava a tortura numa linha demarcatória entre o repúdio e o apoio ao regime”
(p. 175).
O
apoio do Estado à repressão era geral. Até Chagas Freitas, o único governador
de estado do MDB apoiou, através da construção do prédio do DOI da Guanabara
(p. 179). Gaspari cita que: “ Repetia-se no DOI o efeito genético da OBAN,
misturando-se informações, operações, carceragens e serviços jurídicos” (p.
182).
A
briga de egos entre os torturados era um problema. Waldyr Coelho se desentendeu
com Fleury, que foi tirado do DOPS, mas se aliou ao CENIMAR e continuou na
atividade, sendo reabilitado anos depois. Brilhante Ustra foi mandado para a
seção de informações do II Exército mesmo tendo sido reprovado no exame
psicotécnico (p. 189).
Com
“know how” britânico, foi criado na Guanabara um setor que se concentrava na tortura
psicológica e física sem deixar marcas. O método era usado em presos de menor
importância, quando não havia tanta pressa na confissão. Porém, via de regra
pernameceu a aplicação de abusos mais pesados como os choques e o pau-de-arara
(p. 192). A máquina da tortura criou
anomalias dentro das Forças Armadas como o atropelo de patentes.
Para
Gaspari, além do fantasma da tortura, a repressão, a elitização do movimento e
o foco numa “elitização do proletariado” ao invés da volta da democracia foram
os fatores causadores da derrota da luta armada (p. 197). Os setores moderados
tendiam a buscar apoio da Igreja Católica e do MDB.
Mesmo
pequena, a guerrilha se mostrava preparada. Ou talvez fosse o aparelho estatal
que tivesse despreparado... A fuga de Lamarca e seus homens do Vale do Paraíba,
cercado por mil e quinhentos militares é um exemplo. A proporção era de 80
soldados para um guerrilheiro. Esses homens enfrentaram as Forças Armadas duas
vezes, matara um tenente e roubaram um caminhão militar, tendo rendido os seus
ocupantes e os deixados de cueca. Isso sem contar o fato de que foram delatados
várias vezes pela população local (p. 205).
Havia
uma euforia com o crescimento econômico. Citando Helen Shapiro, Gaspari
registrou que: “Um em cada dois brasileiros achava que o nível de vida estava
melhorando, e sete em cada dez acreditavam quem 1971 seria uma ano de
prosperidade econômica superior a 1970” (p. 213). A repressão à imprensa, que
entre 1964 e 1968 ainda era pequena aumentou, chegando ao ponto de José Sette
Câmara, primeiro governador da Guanabara e diretor do Jornal do Brasil ser
preso (p. 217). Niomar Moniz Sofré Bittencourt dono do Correio da Manhã foi
preso, assim como o dono do Jornal do Brasil por ter criticado o governo no
México. Ainda assim, surgiram jornais alternativos como o Opinião e o Pasquim.
Parte
III – A vitória
Gaspari
abre dizendo que “[...] a erosão da estrutura institucional da sociedade
brasileira chegara a um ponto em que só
restava a Igreja como força política capaz de se mobilizar em defesa dos
direitos humanos” (p. 230).
JK
apoiou não só o golpe como a cassação de membros do seu partido, achando que o
seu caminho para 1965 ficaria mais fácil. Ledo engano. Em junho já havia
perdido o seu mandato (p. 231). Lacerda agiu de forma semelhante e teve o mesmo
fim. O Congresso teve 281 parlamentares cassados. Isso praticamente
inviabilizava a existência de uma oposição (idem). 65 professores
universitários foram demitidos, indo de comunistas como João Batista Villanova
a conservadores como Eulália Lahmeyer Lobo (p. 233). Caio Prado Júnior,
sexagenário, ficou mais de uma não preso por causa de uma entrevista no
Revistão da Faculdade de Filosofia da USP (p. 234). Antes do AI-5, os atos de tolhimento da
liberdade tinham prazos.
No
campo econômico, Delfim Netto centralizou ainda mais a cobrança de impostos no
governo federal, deixando os estados e municípios reféns de Brasília. O
empresariado lucrava, mas foi desmobilizado. A FIESP por exemplo perdeu
importância (p. 240).
Sobre
a participação da Igreja Católica, d. João Resende Costa abençoou sob sigilio a
rebelião de Magalhães Pinto (p. 241). Vários padres parlamentares faziam
oposição raivosa a Jango e mesmo com grande parte da Igreja apoiando o golpe,
ficava caro que não estavam dispostos a fazer isso por muito tempo (p. 243). Os
dominicanos tiveram participação ativa na resistência ao golpe até serem pegos
em 1968.
A
ala progressista sofria. D. Hélder Câmara, influente nas camadas populares do
Rio de Janeiro foi transferido para Recife-Olinda dias antes do golpe. Ele, que
fundou a CNBB, ficou isolado.
A
expulsão do padre-operário belga Pierre-Joseph Wauthier fez com que o cardeal
Agnelo Rossi, então presidente da CNBB se recusasse a receber a Ordem Nacional
do Mérito (p. 256). A ala conservadora foi perdendo espaço e a CNBB se colocou
totalmente contra o AI-5.
Em
1969, o padre Antônio Henrique Pereira Neto, muito próximo de d. Hélder Câmara
foi assassinado no Recife. Tentaram desonrar o mesmo ligando a drogas e a
homossexualidade (p. 264). Porém, a caminhonete usada no crime era da policia e
a mãe do padre foi ameaçada (idem). A CNBB condenou o fato mas não com a
veemência necessária. Houve elementos como o ex-seminarista Leonildo Tabosa
Pessoa e outros religiosos de direita que ajudavam o DOPS na montagem de
documentos (p. 272).
Nos
Estados Unidos, foi criado o American Committee For Information On Brazil para
divulgar as torturas. Com a contribuição de Miguel e Violeta Arraes foi criada
também a Frente Brasileira de Informações (p. 276).Os dados vinham da Igreja e
de organizações de combate ao regime.
Ao
governo restava as ridículas acusações de que os repórteres e meios de
comunicação estrangeiros estavam à serviço do comunismo. Através das mãos do
cardeal canadense Maurice Roy chegou ao papa Paulo VI um dossiê sobre as
torturas cometidas pelos militares (p. 280). Apesar de sua postura covarde
durante a Segunda Guerra Mundial, Paulo VI se reuniu com d. Hélder Câmara e
condenou de forma veemente a tortura. Aos militares restou a censura sobre o
fato (p. 282). Entretanto, a ala conservadora ainda se manifestava. D. Agnelo
Rossi por exemplo criticou o envio de informações para o exterior, dizendo que
“Havendo-se roupa suja, lava-se em casa” (p. 283).
Ironicamente
foi a imprensa, o setor acadêmico e alguns parlamentares estadunidenses que
fizeram as críticas mais contundentes ao regime no exterior. Por interesses
econômicos (venda de caças Mirage ao governo brasileiro), o ministro do
interior francês mandou recolher obra sobre Marighella. O resultado é que ela
voltou ao mercado com o patrocínio das 21 maiores editoras francesas (p. 290).
Na
tentativa de melhorar a sua imagem, o governo lançou mão dos “arrependidos”,
que gravavam depoimentos para emissoras de televisão dizendo se arrependerem de
terem entrado na luta armada e que não foram torturados. Alguns foram obrigados
a darem esses depoimentos, tendo havido caso de suicídio logo após a soltura
(p. 293). Outros dizem que de fato se arrependeram.
Internamente,
Nelson Rodrigues, apoiador dos militares, faia o que podia em suas colunas para
atacar d. Hélder Câmara (p. 297). O SNI divulgava no Brasil e no exterior o
fato de na juventude d. Hélder ter sido integralista (p. 298), fato que pelo
menos na Escandinávia parece ter dado efeito já que, contrariando as
expectativas, ele não venceu o Prêmio Nobel.
Mesmo
com as campanhas financiadas por governo, industriais, comerciantes e
latifundiários para melhorar a imagem do país, as estratégias não funcionavam.
Sean MacBride da Anistia Internacional passou a pressionar o país. A eleição de
Allende e o assassinato de Dan Mitrione fez com que o governo estadunidense se
tornasse ainda mais conivente com os crimes dos militares.
O
governo continuava a agir impunimente. Jarbas Passarinho assumia a tortura, mas
tratava como uma exceção de desequilibrados. Entrou em cena Hélio Bicudo, que
conseguiu provas mais do que suficientes contra o delegado Fleury, mas passou a
receber ameaças de morte, e até mesmo pressão do governador Abreu Sodré (p.
321).
A
tortura havia se tornado prática tão comum que passou a atingir o próprio
Exército. Treze soldados foram torturados, sendo que quatro morreram pelo fato
de terem fumado maconha no quartel. O crime ganhou repercussão, mas os envolvidos
tiveram penas brandas (p. 324-328).
Marcelo
Rubens Paiva, ex-deputado federal com tímida atuação contra a ditadura foi
brutalmente assassinado e de nada adiantou a mobilização do MDB e da OAB para
descobrir a verdade e encontrar o seu corpo. Ficou valendo a absurda versão
oficial de resgate enquanto era transportado por agentes.
D.
Evaristo Arns, líder da ala progressista da Igreja foi expulso de reunião com o
presidente Médici após questioná-lo sobre a tortura de presos.
No
final de 1970 a maioria dos militantes estava presa ou exilada. Para os que
continuavam, a luta era mais um dever moral para com os que morreram ou foram
presos.
Logo
após os golpe, cabo Anselmo se refugiou na embaixada do México e conseguiu
asilo. Estranhamente desistiu e entrou para a AP, tendo sido preso em seguida (p.
350). Foi mandado para o DOPS e depois para a delegacia do Alto da Boa Vista
onde passou a ajudar em atividades burocráticas e na cobrança de propinas em
casas de jogo e bocas de fumo (idem).
Em
1966 a AP o “libertou”. Mesmo com esse histórico foi enviado para treinamento
em Cuba. Voltou em 1970 na VPR e em maio de 1971 foi preso, sem que se soubesse
de sua identidade. A partir daí, passou a trabalhar de forma mais ativa para o
DOPS. Na VPR seu nome era Jonatas, no órgão da repressão era Kimble (p. 353).
Além
de entregar companheiros, analisava depoimentos e ajudava na construção das
perguntas. Várias foram as pistas deixadas por ele de que ele era um traidor.
Dois integrantes da VPR sumiram depois de se encontrarem com ele. Um torturador
revelou a uma vítima e até o próprio Anselmo revelou isso a um colega. Essas
noticias chegaram a Chile, mas foram ignoradas (p. 353-354).
Em
Recife ele infiltrou um subordinado de Fleury e graças à essa contribuição,
seis integrantes foram brutalmente assassinados, entre eles, Soledad Barred
Viedma, companheira de Anselmo e grávida, foi uma das vítimas.
Anselmo
não foi o único traidor. O PCB, a ALN, a VPR e o Molipo sofreram com isso. João
Henrique Ferreira de Carvalho por exemplo, foi o responsável pela morte de
quase dez integrantes da ALN (p. 355). Houve casos também de traições dentro da
família como foi o caso de José Carlos da Mata Machado, morto devido à denúncia
de seu cunhado (p. 398).
Parte
IV – A gangrena
O
envolvimento de militares no crime se tornou uma constante. Agiam junto com
policiais e o contrabando era o setor de maior interesse. Um exemplo do grau de
corrupção é que o sargento Euler Moreira de Moraes conseguiu acumular em pouco
tempo dois apartamentos, oito casas, dois carros, uma loja e um sítio (p. 375).
Ele juntamente com outros militares chegaram a ser presos numa investigação da
Policia Federal e do SNI. Eles alegaram que foram torturados durante os
depoimentos e foram absolvidos (p. 380).
O
cap. Aílton Guimarães, que em seu teste de aptidão havia sido considerado ideal
para combater a subversão e a corrupção se tornou o “imperador da
contravenção”, dominando o jogo do bicho em grandes extensões do Rio de Janeiro
e do Espírito Santo. Era padrinho da escola de samba Unidos da Vila Isabel e
chegou a presidir a LIESA (p. 382)
Era
questão de honra para os militares impedirem a prisão de Fleury. Eles se
mobilizaram para mudarem a lei, permitindo que réus primários, com bons
antecedentes ficassem livres mesmo depois de condenados, enquanto aguardavam
recurso (idem).
Citando
Amílcar Lobo, Gaspari aponta que teria sido Orlando Geisel quem deu ordem para
matar banidos que ousassem voltar clandestinamente ao país (p. 386). Essa
politica começou a ser colocada em prática pelo CIE em 1971, órgão sob a
liderança do gen. Milton Tavares de Souza, o “Miltinho”, aliado incondicional
de Geisel (p. 387-388). Entre 1971 e 1974 198 militantes foram assassinados.
Desses, cinquenta morreram antes dos 25 anos de idade (p. 394).
A
primeira investida contra os guerrilheiros do Araguaia em 1972 contava com mais
homens do que as três primeiras enviadas à Canudos e ainda assim
fracassou. A segunda expedição em 1973 foi
integrada por homens com treinamento na selva e receberam instrução de não
deixar sobreviventes (p. 408-409).
Oswaldão
impunha respeito. Ao mesmo tempo em que era temido pelos militares, também era
uma meta pegá-lo. Quando o camponês Arlindo Vieira, de apelido Piauí, matou
Oswaldão, seu corpo foi pendurado num helicóptero se soltou e foi recolocado.
Depois da exibição, seu corpo foi decapitado (p. 414).
Os
guerrilheiros tentaram se aproximar da população local, mas não informavam com
clareza o que pretendiam, nem mesmo informavam com clareza o que fingiam fazer
ali. Existem duas versões para a descoberta do grupo. A primeira de que Peri
(Pedro Albuquerque), capturado em Fortaleza com a esposa teria entregado
informações sob tortura. A segunda, é de que Regina, esposa de Lúcio Petit da
Silva estava doente e ao voltar para São Paulo fez a denúncia por pressões
familiares (p. 422). Os guerrilheiros ficaram alertas, mas nem tanto. Quando foram
descobertos, não estavam na força máxima. Faltavam mais 13 pessoas, para se
juntarem às 71 já presentes na região. Os depósitos de comida e armas também
não estavam totalmente abastecidos (p. 424-425).
João
Amazonas foi avisado da presença de militares quando estava em Anápolis e
voltou para São Paulo (p. 426). Enquanto isso os militares aterrorizavam a
população local com prisões e torturas indiscriminadas. A violência, somada ao
oferecimento de recompensas, fez com que os guerrilheiros aos poucos fossem
sendo descobertos (p. 430). Após a violência, o governo tentou “reconquistar”
os moradores enviando médicos e participando da intermediação para que os
fazendeiros garantissem direitos trabalhistas aos seus funcionários (p. 431).
A
vitória de 1972 e a tomada de um posto policial em Marabá, fez com que os
guerilheiros adquirissem uma perigosa autoconfiança. Oswaldão sugeriu a criação
de uma rota de fuga, mas foi voto vencido (p. 442). Em 1973, Curió se infiltrou
na região.
Mais
de 300 moradores da região foram presos e a maioria barbaramente torturada (p.
446). Alguns tiveram bens roubados por militares sob a alegação de que haviam
colaborado com os guerrilheiros (p. 448). Seis famílias acabaram aderindo à
luta (p. 450).
Assim
como em Canudos e no Contestado, os guerrilheiros do Araguaia foram taxados de
“fanáticos” e foram degolados. Mesmo tendo jogado folhetos na selva informando
que poupariam os que se rendessem, eles executaram quem o fez, com exceção dos
moradores da região que se envolveram na luta (p. 467). A última guerrilheira a
tombar foi Walkíria Afonso Costa, ex-aluna da FAE/UFMG em 25 de outubro de 1974
(p. 469).
O
saldo final da barbárie foram 59 integrantes do PC do B mortos e 10 moradores
do Araguaia totalizando 69. Enquanto que os integrantes do PC do B foram homenageados
e as famílias foram indenizadas, os moradores do Araguaia vitimados mal são
lembrados e muitos familiares ainda lutam para receber algum tipo de
indenização (p. 470).
A
mitificação da guerrilha foi enorme por parte do PC do B. Os jornais do partido
divulgavam vitórias dos combatentes quando eles já havia sido exterminados.
Somente em 1976 foram admitidos “retrocessos” (p. 471).
O
Estado agiu de forma totalmente clandestina. Não foram gerados IPM’s, denúncias
formais ou sentenças judiciais (p. 444).