segunda-feira, 6 de julho de 2020

Economia, sociedade americana e a crise de 1929


A economia americana nos anos 1920
Os Estados Unidos havia sido o fiel da balança em prol de Inglaterra, França e aliados na I Guerra Mundial. Com isso tinha ser tornado a maior potência mundial. Mesmo assim a opção naquele momento foi o isolacionismo. Após o fim da guerra o país tinha se transformado no maior credor do mundo, e essa tendência só se acentuaria no decorrer da década.
Internamente os anos 1920 foram de vigorosa expansão econômica. A renda per capta saltou de US$ 660,00 para US$ 857,00 entre 1921 e 1929[1]. Nesse mesmo período a frota de automóveis havia subido de 8 para 23 milhões e o consumo de fogões, geladeiras e rádios tinham aumentado substancialmente. “Essa foi a primeira grande expansão econômica da história que mostrou as feições das futuras sociedades ocidentais; seu ímpeto e sua direção foram dados pelo mercado de consumo de massa”[2].
Houve também uma expansão do acesso ao crédito, que acabou irrigando o mercado de ações. O desemprego era baixo, em torno de 5%. Esse foi um período de defesa incontestável do liberalismo econômico.
Nesse período, apesar do baixo desemprego e do aumento da renda e do consumo, viu se um considerável aumento da concentração de renda. As desigualdades entre as regiões também se acentuaram. Enquanto no extremo oeste a renda per capta era de US$ 921,00 no sul era de US$ 365,00. Além disso, 1/3 das riquezas estavam concentradas nas mãos de 5% da população.
O país se fechava para os imigrantes, e suas exportações superavam em muito as importações. Com isso vários países tinham dependiam de empréstimos americanos para sanearem suas contas, como a Áustria. Havia também a Alemanha, que tinha sido empurrada numa teia francesa. Estes não aceitavam as manufaturas germânicas como forma de pagamento da dívida de guerra (que se não fosse por interferência americana seria de US$ 33bi.). Então só restava aos alemães pegarem anualmente altas quantias com os Estados Unidos para pagarem a dívida. Este artifício francês para prejudicar a recuperação alemã, acabava prejudicando toda a Europa.
A América reacionária
Nesse período os negros eram excluídos sob todos os aspectos da sociedade do consumo. A Ku Klux Klan, que havia ressurgido no final da década de 1910 pelas mãos do professor de História Willian Simmons ganha ainda mais força. Adicionaram o antissemitismo e o anticatolicismo ao racismo já existente na doutrina. Tinham se tornado ainda mais violentos. Estavam envolvidos em diversos assassinatos de negros, mas sempre contavam com a anuência dos tribunais. Só perdem força quando um importante membro da organização estupra e mutila uma mulher branca, que se suicida em seguida. Este acaba sendo condenado à prisão perpétua.
As bebidas alcoólicas são proibidas com a Emenda Constitucional nº 18 que Nova Iorque o número de bares salta de 15000 antes da lei para 32000[3] após a sua entrada em vigor. Além disso, a medida favoreceu o florescimento do crime organizado com o surgimento de figuras como Alphonsus Gabriel Capone, mais conhecido como Al Capone ou Scarface devido à uma cicatriz no rosto que ganhou numa briga de rua[4]. Ele compra praticamente toda a policia, poder executivo e judiciário da cidade de Chicago, e vários como ele surgem no país. Parte do seu dinheiro, e de outros grupos mafiosos passam a irrigar o mercado de ações.
O conservadorismo havia tomado conta também das escolas. No Estado do Tennessee, Johnny Scopes, um professor de biologia ousou desafiar o governo e os fundamentalistas protestantes e passou a ensinar os seus alunos o evolucionismo. Foi a um primeiro julgamento e condenado, mas no seguinte na Suprema Corte acabou sendo absolvido.
Talvez nada supere em termos de conservadorismo e covardia a condenação de Sacco e Vanzetti.  Ambos eram italianos e para suas desgraças anarquistas. Em maio de 1920, são acusados de roubo e assassinato. São preso com armas, mas naquela época (como ainda hoje) não havia nada de ilegal nisso. A perícia é forjada e o júri direcionado. O juiz Thayer desconsidera a confissão do verdadeiro culpado, Celestino Madeiros e ao final do julgamento no qual foram condenados à morte diz “ viu o que fiz com aqueles bastardos anarquistas”[5]. Protestos surgem em várias partes do mundo, a embaixada norte americana em Paris chega a ser atacada. É pedido o perdão ao governador do Estado de Massachusetts, e este passa a decisão a um grupo de três “sábios”, formado por dois estudantes de graduação e um juiz aposentado. Estes determinam a manutenção da pena.
É difícil não pensar que numa sociedade tão sufocante quanto esta, as pessoas não se voltassem para valores exclusivamente materiais, ainda que travestidos em benesses concedidas por Deus a quem se esforça. Essa sociedade conservadora e com falhas graves de caráter vai alimentando e sendo engolida por uma bolha que estouraria no final da década.

O caminho da crise
A febre por ações começa por volta de 1924. Não só as classes mais altas, mas também a classe média entrava firmemente no negócio. Havia a crença que podia se ficar rico sem muito esforço. Talvez influenciada pela bandidagem crescente no país, resultado da Lei Seca. A questão do enriquecimento fácil era verdade, mas só valia para alguns especuladores. Ano a ano o número de ações negociadas na bolsa aumentava firmemente. Havia dinheiro disponível para isso. Os bancos pegavam na Reserva Federal a juros de 5% e reemprestavam a 12%. Lucravam duplamente.
O mercado mostra sinais de instabilidade, a simples interrupção da fabricação do Ford T em 1927 já causou abalos no mercado, além disso, um ano antes havia estourado uma crise imobiliária na Flórida. Muitos, correndo atrás de dias quentes no inverno, passaram a comprar lotes na Flórida. A atividade de venda ganhos contornos especulativos, pedia-se um adiantamento de 10% para a compra de lotes muitas vezes a dezenas de quilômetros da praia. Um furacão varre várias cidades da região, assim como o sonho de muitos.
Os sinais de uma crise também eram vistos pelo governo, o próprio Presidente Hoover eleito em 1928 tentou agir, mas os estudiosos e a imprensa estavam do lado dos especuladores. E muitos políticos ganhavam dinheiro com isso. Como disse J.K. Galbraith: “E o centro da imoralidade não era os bancos, mas o mercado de ações. Era no mercado de ações que os homens jogavam não somente com o seu próprio dinheiro, mas com a riqueza do país”[6]
O ano de 1929 e o caminho para crise se acelera. Ela chega no final do ano, e ainda assim políticos especuladores e estudiosos, não percebem a gravidade da situação. Dias depois da perda de valor dos papéis, empresas de corretagem faziam propagandas anunciando que aquele era o melhor momento para comprar papéis devido ao valor.
A crise derruba a os intelectuais liberais, o partido republicano e os mais abastados e a classe média. Como conseqüência as classes populares também vão à ruína pois dependia dos empregos oferecidos por estes abastados. Os Estados Unidos param de investir na Europa, e estes não tem condições nem de comprar produtos americanos e nem de honrar os seus compromissos. A Alemanha chega a ter uma taxa de desemprego de 44%. Essa situação desesperadora acaba abrindo caminho para a vitória do então inexpressivo NSDAP, comandado pelo então ex-cabo e desconhecido Adolf Hitler.
Foram necessários 10 anos para economia americana se recuperar, mas esta só foi consolidada com a II Guerra Mundial. Mecanismos de controle do mercado foram criados, assim como alguns especuladores foram investigados e punidos. Essa crise destruiu o sonho de milhões de americanos sem acesso a previdência então inexistente e jogou o mundo no caminho para o confronto mais sangrento de todos os tempos.
Conclusão
Um sociedade conservadora, onde imperava valores protestantes muitas vezes ultra radicais, nos quais se via auxílio social como algo errado pois as conquistas tinham que vir do trabalho, e por outro lado um alto índice de corrupção podem ter moldado a crise. Ao mesmo tempo em que parece existir essa relação, é um pouco complexa de se comprovar, mas o exercício do historiador também é lançar questões, sem necessariamente chegar a uma conclusão acabada.


Bibliografia
GALBRAITH, John Kenneth. O colapso da bolsa, 1929: anatomia de uma crise. 2º Ed. Pioneira, São Paulo, 1979.
HOBSBAWN, Eric J. A era dos extremos – O breve século XX, 1914 – 1989. 2º Ed.Cia. Das Letras, São Paulo, 2000.
Revista de História da Biblioteca Nacional, pg 25. Nº 68, maio de 2011.
ROBERTS, J.M. A nova era: a América dos anos 20. In: Enciclopédia História do século XX. Abril. São Paulo, 1974.


[1] História do Século XX. Pg. 1219.
[2] Idem.
[3] Idem pg. 1231.
[4] Revista de História da Biblioteca Nacional. Nº 68.
[5] Enciclopédia História do Século XX.
[6] O colapso da bolsa, 1929. Pg. 197.

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