Morin,
Edgar, 1921- Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ;
tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de
Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF :
UNESCO, 2000.
1
– AS CEGUEIRAS DO CONHECIMENTO: O ERRO E A ILUSÃO
·
“A educação deve mostrar que não há
conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão.”
(19)
·
“O conhecimento não é um espelho das
coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções
e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e
codificados pelos sentidos. Daí resultam, sabemos bem, os inúmeros erros de
percepção que nos vêm de nosso sentido mais confiável, o da visão. Ao erro de
percepção acrescenta-se o erro intelectual. O conhecimento, sob forma de
palavra, de idéia, de teoria, é o fruto de uma tradução/reconstrução por meio
da linguagem e do pensamento e, por conseguinte, está sujeito ao erro. Este
conhecimento, ao mesmo tempo tradução e reconstrução, comporta a interpretação,
o que introduz o risco do erro na subjetividade do conhecedor, de sua visão do
mundo e de seus princípios de conhecimento.” (20)
·
“Poder-se-ia crer na possibilidade de
eliminar o risco de erro, recalcando toda afetividade. De fato, o sentimento, a
raiva, o amor e a amizade podem-nos cegar. Mas é preciso dizer que já no mundo
mamífero e, sobretudo, no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é
inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que,
por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade
pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo.” (20)
·
“O desenvolvimento do conhecimento
científico é poderoso meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões.
Entretanto, os paradigmas que controlam a ciência podem desenvolver ilusões, e
nenhuma teoria científica está imune para sempre contra o erro. Além disso, o
conhecimento científico não pode tratar sozinho dos problemas epistemológicos,
filosóficos e éticos.” (21)
·
“Nossa mente, inconscientemente, tende a
selecionar as lembranças que nos convêm e a recalcar, ou mesmo apagar, aquelas
desfavoráveis, e cada qual pode atribuir-se um papel vantajoso. Tende a
deformar as recordações por projeções ou confusões inconscientes. Existem, às
vezes, falsas lembranças que julgamos ter vivido, assim como recordações
recalcadas a tal ponto que acreditamos jamais as ter vivido. Assim, a memória,
fonte insubstituível de verdade, pode ela própria estar sujeita aos erros e às
ilusões.” (22)
·
“Da mesma forma, a racionalidade não é
uma qualidade da qual a civilização ocidental teria o monopólio. O ocidente
europeu acreditou, durante muito tempo, ser proprietário da racionalidade,
vendo apenas erros, ilusões e atrasos nas outras culturas, e julgava qualquer
cultura sob a medida do seu desempenho tecnológico. Entretanto, devemos saber
que em qualquer sociedade, mesmo arcaica, há racionalidade na elaboração de
ferramentas, na estratégia da caça, no conhecimento das plantas, dos animais,
do solo, ao mesmo tempo em que há mitos, magia e religião.” (24)
·
“Daí decorre a necessidade de reconhecer
na educação do futuro um princípio de incerteza racional: a
racionalidade corre risco constante, caso não mantenha vigilante autocrítica
quanto a cair na ilusão racionalizadora. Isso significa que a verdadeira
racionalidade não é apenas teórica, apenas crítica, mas também autocrítica.”
(24)
·
“Em resumo, o paradigma instaura
relações primordiais que constituem axiomas, determina conceitos, comanda
discursos e/ou teorias. Organiza a organização deles e gera a geração ou a
regeneração.” (27)
·
“Acrescentemos: as crenças e as idéias
não são somente produtos da mente, são também seres mentais que têm vida e
poder. Dessa maneira, podem possuir-nos.” (28)
·
Deve – se estar preparado para o
inesperado.
·
“Quanto sofrimentos e desorientações
foram causados por erros e ilusões ao longo da história humana, e de maneira
aterradora, no século XX! Por isso, o problema cognitivo é de importância
antropológica, política, social e histórica. Para que haja um progresso de base
no século XXI, os homens e as mulheres não podem mais ser brinquedos
inconscientes não só de suas idéias, mas das próprias mentiras. O dever
principal da educação é de armar cada um para o combate vital para a lucidez.”
(33)
2
– OS PRINCÍPIOS DO CONCEITO PERTINENTE
·
O professor deve desenvolver nos alunos
a inteligência geral, capaz de preparar para diversos conhecimentos.
·
A especialização excessiva (cada vez
mais comum) traz o encastelamento em áreas do conhecimento e como conseqüência
prejudicando – o.
·
“O enfraquecimento da percepção do
global conduz ao enfraquecimento da responsabilidade (cada qual tende a ser
responsável apenas por sua tarefa especializada), assim como ao enfraquecimento
da solidariedade (cada qual não mais sente os vínculos com seus concidadãos).”
(40/41).
·
“Desse modo, o século XX viveu sob o
domínio da pseudoracionalidade que presumia ser a única racionalidade, mas
atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão em longo prazo. Sua insuficiência
para lidar com os problemas mais graves constituiu um dos mais graves problemas
para a humanidade.” (45)
·
“Daí decorre o paradoxo: o século XX
produziu avanços gigantescos em todas as áreas do conhecimento científico,
assim como em todos os campos da técnica. Ao mesmo tempo, produziu nova
cegueira para os problemas globais, fundamentais e complexos, e esta cegueira
gerou inúmeros erros e ilusões, a começar por parte dos cientistas, técnicos e
especialistas.” (idem)
3
– ENSINAR A CONDIÇÃO HUMANA
·
As próprias ciências humanas são
altamente fragmentadas.
·
“Finalmente, existe a relação triádica indivíduo/sociedade/espécie.
Os indivíduos são produtos do processo reprodutor da espécie humana, mas este
processo deve ser ele próprio realizado por dois indivíduos. As interações
entre indivíduos produzem a sociedade, que testemunha o surgimento da cultura,
e que retroage sobre os indivíduos pela cultura.” (54)
·
“Não se pode tornar o indivíduo absoluto
e fazer dele o fim supremo desse circuito; tampouco se pode fazê-lo com a
sociedade ou a espécie.” (idem)
·
“Cabe à educação do futuro cuidar para
que a idéia de unidade da espécie humana não apague a idéia de diversidade e que
a da sua diversidade não apague a da unidade. Há uma unidade humana. Há uma
diversidade humana.” (55).
·
“A cultura é constituída pelo conjunto
dos saberes, fazeres, regras, normas, proibições, estratégias, crenças, idéias,
valores, mitos, que se transmite de geração em geração, se reproduz em cada
indivíduo, controla a existência da sociedade e mantém a complexidade
psicológica e social. Não há sociedade humana, arcaica ou moderna, desprovida
de cultura, mas cada cultura é singular. Assim, sempre existe a cultura nas
culturas, mas a cultura existe apenas por meio das culturas.”
(56)
·
“Os que vêem a diversidade das culturas
tendem a minimizar ou a ocultar a unidade humana; os que vêem a unidade humana
tendem a considerar como secundária a diversidade das culturas. Ao contrário, é
apropriado conceber a unidade que assegure e favoreça a diversidade, a
diversidade que se inscreve na unidade.” (57)
·
“As culturas são aparentemente fechadas em
si mesmas para salvaguardar sua identidade singular. Mas, na realidade, são
também abertas: integram nelas não somente os saberes e técnicas, mas também
idéias, costumes, alimentos, indivíduos vindos de fora.” (idem)
·
“Assim, uma das vocações essenciais da educação
do futuro será o exame e o estudo da complexidade humana. Conduziria à tomada
de conhecimento, por conseguinte, de consciência, da condição comum a todos os
humanos e da muito rica e necessária diversidade dos indivíduos, dos povos, das
culturas, sobre nosso enraizamento como cidadãos da Terra...” (61)
4
– ENSINAR A IDENTIDADE TERRENA
· “A
unificação mundializante faz-se acompanhar cada vez mais pelo próprio negativo
que ela suscita, pelo efeito contrário: a balcanização. O mundo, cada vez
mais, torna-se uno, mas torna- se, ao mesmo tempo, cada vez mais dividido.
Paradoxalmente, foi a própria era planetária que permitiu e favoreceu o
parcelamento generalizado dos Estados-nações; de fato, o pedido de emancipação
da nação é estimulado por um movimento de ressurgência da identidade ancestral,
que ocorre em reação à corrente planetária de homogeneização civilizacional, e
esta demanda é intensificada pela crise generalizada do futuro.” (69)
·
“A unidade, a mestiçagem e a diversidade
devem-se desenvolver
·
contra a homogeneização e o fechamento.
A mestiçagem não é apenas a criação de novas diversidades a partir do encontro;
torna-se, no processo planetário, produto e produtor de religação e de unidade.
Introduz a complexidade no âmago da identidade mestiça (cultural ou racial).
Com certeza, cada qual pode e deve, na era planetária, cultivar a
poliidentidade, que permite integrar a identidade familiar, a identidade
regional, a identidade étnica, a identidade nacional, a identidade religiosa ou
filosófica, a identidade continental e a identidade terrena. Mas o mestiço, ele
sim, pode encontrar nas raízes de sua poliidentidade a bipolaridade familiar, a
étnica, a nacional, mesmo a continental, permitindo constituir nele a
identidade complexa plenamente humana.” (78)
5
– ENFRENTAR AS INCERTEZAS
·
“Toda evolução é fruto do desvio
bem-sucedido cujo desenvolvimento transforma o sistema onde nasceu: desorganiza
o sistema, reorganizando-o. As grandes transformações são morfogêneses,
criadoras de formas novas que podem constituir verdadeiras metamorfoses. De
qualquer maneira, não há evolução que não seja desorganizadora/reorganizadora
em seu processo de transformação ou de metamorfose.” (82)
6
– ENSINAR A COMPREENSÃO
·
“Sem dúvida, há importantes e múltiplos
progressos da compreensão, mas o avanço da incompreensão parece ainda maior.”
(93)
·
“A comunicação não garante a
compreensão.” (94)
·
“O egocentrismo cultiva a self-deception,
tapeação de si próprio, provocada pela autojustificação, pela autoglorificação
e pela tendência a jogar sobre outrem, estrangeiro ou não, a causa de todos os
males. A self-deception é um jogo rotativo complexo de mentira,
sinceridade, convicção, duplicidade, que nos leva a perceber de modo pejorativo
as palavras ou os atos alheios, a selecionar o que lhes é desfavorável,
eliminar o que lhes é favorável, selecionar as lembranças gratificantes,
eliminar ou transformar o desonroso.” (96)
·
“De fato, a incompreensão de si é fonte
muito importante da incompreensão de outro. Mascaram-se as próprias carências e
fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros.”
(97)
·
“Além disso, lembremo-nos de que a
possessão por uma idéia, uma fé, que dá a convicção absoluta de sua verdade,
aniquila qualquer possibilidade de compreensão de outra idéia, de outra fé, de
outra pessoa.” (99)
·
“A ética da compreensão é a arte de
viver que nos demanda, em primeiro lugar, compreender de modo desinteressado.
Demanda grande esforço, pois não pode esperar nenhuma reciprocidade: aquele que
é ameaçado de morte por um fanático compreende por que o fanático quer matá-lo,
sabendo que este jamais o compreenderá. Compreender o fanático que é incapaz de
nos compreender é compreender as raízes, as formas e as manifestações do
fanatismo humano. É compreender porque e como se odeia ou se despreza. A ética
da compreensão pede que se compreenda a incompreensão.” (99)
·
“A tolerância vale, com certeza, para as
idéias, não para os insultos, agressões ou atos homicidas.” (102)
7 – A ÉTICA DO GÊNERO
HUMANO
·
“Assim, a democracia constitui a união
entre a união e a desunião; tolera e nutre-se endemicamente, às vezes
explosivamente, de conflitos que lhe conferem vitalidade. Vive da pluralidade,
até mesmo na cúpula do Estado (divisão dos poderes executivo, legislativo,
judiciário), e deve conservar a pluralidade para conservar-se a si própria.”
(109)
·
“As democracias são frágeis, vivem
conflitos, e estes podem fazê-la submergir. A democracia ainda não está
generalizada em todo o planeta, que tanto comporta ditaduras e resíduos de
totalitarismo do século XX, quanto germes de novos totalitarismos. Continuará ameaçada
no século XXI. Além disso, as democracias existentes não estão concluídas, mas
incompletas ou inacabadas.” (109)
·
“Não existem apenas democracias
inacabadas. Existem processos de regressão democrática que tendem a posicionar
os indivíduos à margem das grandes decisões políticas (com o pretexto de que
estas são muito “complicadas” de serem tomadas e devem ser decididas por
“expertos” tecnocratas), a atrofiar competências, a ameaçar a diversidade e a
degradar o civismo.” (110)
·
“Estes processos de regressão estão
ligados à crescente complexidade dos problemas e à maneira mutiladora de
tratá-los. A política fragmenta-se em diversos campos e a possibilidade de
concebê-los juntos diminui ou desaparece.” (idem)
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