GASPARI, Elio. A ditadura
envergonhada. 2. ed. rev. – Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.
Nesta
edição revista e ampliada, o autor justifica-se dizendo que a mesma foi
necessária devido ao surgimento de novos documentos como gravações que provam
que o presidente estadunidense John F. Kennedy (1961-1963) apoiou a derrubada
do presidente João Goulart (p. 13).
A
ideia inicial de Gaspari não era escrever uma quadrilogia (que em 2016 recebeu
um complemento com um quinto livro), mas um ensaio sobre a sua pesquisa
realizada nos Estados Unidos. Em 1984 ele se deu conta de que o material
acumulado durante anos de pesquisa renderia um livro (p. 15)
Heitor
Ferreira cuidava dos arquivos de Golbery do Couto e Silva. Em 1985 ele os
repassou a Gaspari. Para a confecção da quadrilogia ele também contou com a
ajuda do ex-presidente-militar Ernesto Geisel, juristas, políticos, militares,
burocratas e especialistas no período.
O
primeiro livro começa com a demissão do ministro do Exército Sylvio Frota em 12
de outubro de 1977, feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida. Essa data não
teria sido escolhida à toa. Por ser feriado, seria mais difícil o ministro
mobilizar um golpe dentro do golpe (p. 29).
Ainda
nas primeiras páginas, Gaspari chama a atenção para a importância de sua obra
devido ao fato de que são muitos os trabalhos que abordam a ascensão de
governos militares, mas poucos falam de suas saídas. Ele também defende que
numa tentativa de manter uma suposta aura de superioridade perante governos
civis, os militares pouco falam de seus próprios governos (p. 40). Fechando a
introdução, Gaspari faz uma interessante observação: Para quem quiser cortar
caminho na busca por motivos porque Geisel e Golbery desmontaram a ditadura, a
resposta é simples: porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da
ordem, era uma grande bagunça (p. 43).
Primeira
Parte
O
Palácio das Laranjeiras funcionava com residência oficial de Jango. No dia 30
de março de 1964 estava marcada a presença de Jango em reunião com sargentos e
suboficiais das Forças Armadas no Automóvel Clube. Tancredo Neves, então
deputado federal e líder do governo o aconselhou a não ir, pois o clima estava
tenso. Ele foi (p. 47). De acordo com Antônio Carlos Magalhães, Jango tinha 15
mil hectares de terras e um rebanho de 65 mil animais (p. 48).
Nas
eleições de 1960, Jânio Quadros recebeu 5.6 milhões de votos e João Goulart 4,5
milhões para a vice-presidência. No plebiscito de 1963, foram dados 9,5 milhões
de votos para o presidencialismo contra 2 milhões do parlamentarismo (p. 49).
Isso mostra a legitimidade que o governo Jango tinha e que foi atropelada pelos
tanques na virada de 31 de março para 1 de abril.
Em
outubro de 1963, Jango enviou para o Congresso Nacional a solicitação para a
implantação de estado de sítio. Se viu sem apoio até mesmo entre as esquerdas e
teve que voltar atrás. Na base da pressão, o presidente tentava reaver o apoio
político para se manter no poder até 1966 e para isso insuflou o povo para
pressionar os parlamentares a apoiarem as Reformas de Base. Ele também teria
tentado uma manobra para aprovar a sua reeleição, o que mostra uma falta de
visão sobre o momento político que vivia. Luís Carlos Prestes numa entrevista à
TV Tupi declarou que apoiava a reeleição e não só isso: era favorável à
dissolução do Congresso Nacional e eleições para uma Constituinte (p. 51),
jogando gasolina na fogueira.
Os
congressistas em sua maioria não tinham a menor intenção em aprovar as
reformas. O que eles pretendiam era “cozinhar” Jango até a realização das
eleições. Pesquisas de opinião apontavam a liderança de Juscelino Kubitscheck
do PSD com 37% dos votos contra expressivos 25% de Carlos Lacerda da UDN (idem).
Apesar
do revés em declarar estado de sítio, a situação parecia favorável à Jango. A
Marinha lhe era contrária, mas estava desmoralizada. Parte da Aeronáutica
(principalmente os sargentos) estavam à seu favor, assim como importantes
lideranças do Exército (p. 54). Gaspari interpreta que a democracia corria
risco pelos dois lados (p. 53). Havia um “Dispositivo Militar”, criado pelo
chefe do Gabinete Militar, o general Argemiro de Assis Brasil para garantir a
lealdade dos quartéis ao presidente. Este dispositivo amedrontava vários
golpistas como Costa e Silva (56).
Castello
Branco se manteve por algum tempo numa posição dúbia. Apoiou, mesmo que de
forma reservada a posse de Jango. Mas começou a se mostrar insatisfeito com a
sua administração (p. 57). Somente em dezembro de 1963 ele aderiu à
conspiração, convencido pelo gen. Cordeiro de Farias e pelo mal. Ademar de
Queiroz.
Os
preparativos do golpe se aceleravam. Os estadunidenses já haviam se
comprometido com o apoio material e militar. Até o fornecimento de combustível
foi acertado (p. 63). O gen. Olímpio Mourão Filho, que havia colocado as tropas
para marcharem rumo ao Rio de Janeiro e que se julgava um defensor da
democracia e da moralidade era a mesma pessoa responsável pela autoria do Plano
Cohen, mentira inventada sobre um plano dos comunistas para tomarem o poder.
Este embuste serviu para justificar o golpe do Estado Novo em 1937. Na época
ele era do setor de inteligência da Ação Integralista Brasileira, movimento de
inspiração fascista que apoiava Vargas, mas que acabou sendo vítima do ditador
em 1938. Além de seu currículo golpista e fascista, Mourão se destacava por
bajular governantes em busca de benesses. Ele enviou telegrama a Jango em 1961
saudando a sua posse e um ano antes havia pedido ao ministério da Guerra que
não o tirasse da Comissão Técnica de Rádio, cargo civil que lhe dava
privilégios como dinheiro carro e motorista particular (p. 71).
Amauri
Kruel era um importante aliado de Jango. Seu apoio havia sido comprado com a
indicação do filho para o Lloyd Brasileiro, assim como pela facilitação para a
compra de uma fazenda no Espírito Santo. (p. 72). Além disso tinha histórico de
envolvimento com grupos de extermínio. A tensão era muito grande no dia 31 de
março. Os golpistas não tinham munição ao suficiente para um combate, alguns
participantes declinavam e os estadunidenses ofereciam um apoio discreto. Do
lado do governo, alguns integrantes queriam aproveitar o momento para
radicalizar.
O
“dispositivo” de Jango só funcionaria se ele tomasse rumos radicais como
intervir nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Guanabara, censurasse a
imprensa e fosse para o confronto com tropas golpistas (p. 85). A questão é:
seria esta uma atitude sustentável? Possivelmente não. O “se” é uma
possibilidade muito sedutora, mas que o historiador deve abandoná-la
rapidamente.
Jango
era um vacilante, mas de acordo com o autor este não foi o motivo principal de
sua queda. Gaspari diz:
“Sem
dúvida a inércia de Goulart foi um detergente para as forças que o apoiavam. No
entanto, ninguém apoiava Jango supondo-o resoluto. Além disso, nenhuma força à
esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia 31.” (p.86-87).
Darcy
Ribeiro era o integrante mais radical do governo. Ele queria partir para o
ataque contra as tropas de Mourão. A própria esquerda tinha medo do que Jango
poderia fazer, caso conseguisse se defender do golpe (p. 88-89). Além disso, a
adesão de Kruel à causa golpista por meio de suborno terminou sendo o fiel da
balança. Outro ponto importante destacado por Gaspari é que “Um governo que
tolerava a indisciplina não deveria acreditar que seria defendido de armas na
mão por militares disciplinados” (p. 94). Carlos Alberto Brilhante Ustra foi
mandado para o combate das tropas do gen. Mourão Filho, mesmo tendo histórico
anti-janguista Como alguém como ele defenderia o governo? Foi no mínimo muita
ingenuidade (idem). Tanto é que Ustra, com a ajuda de alguns cabos armou um congestionamento
na Avenida Brasil para retardar o envio de tropas.
O
ministro San Tiago Dantas sabia da possibilidade do auxílio dos Estados Unidos
aos golpistas. Havia o plano de o governador de Minas Gerais Magalhães Pinto
declarar secessão e solicitar ajuda dos estadunidenses, caso Jango conseguisse
sufocar o golpe. Em 1 de abril o presidente foi alertado da possibilidade (p. 98).
Jango era fraco e indeciso, mas seus apoiadores eram ainda mais que ele.
Bem
sucedida a manobra militar, veio a oficialização do golpe, resolvida pelo
presidente do senado, o paulista Auro de Moura Andrade que declarou vacância do
cargo de presidente com Jango ainda no país e forçando o presidente da Câmara
dos Deputados Ranieri Mazzilli a tomar posse como presidente. Ocorreram
manifestações anti-golpe em cidades como Recife e Rio de Janeiro que foram
duramente reprimidas, com a morte de sete civis (p. 113). No dia 2, Mazzilli
recebeu um telegrama de parabenização do presidente Lindon Johnson. Já não
fazia mais sentido manter a Operação Brother Sam. No geral, Elio Gaspari
considerou a vitória dos golpistas surpreendente (p. 121).
Parte
II – A violência
Cerca
de 5 mil pessoas foram presas nas primeiras semanas do golpe. A embaixada da
Iugoslávia serviu de refúgio para muitos pois era a única instalada em Brasília
(p. 132). A ferocidade contra os opositores seguiu a todo vapor no governo
Castello. Entre 1964 e 1966 cerca de 2 mil funcionários públicos foram
demitidos ou aposentados compulsoriamente, além de 386 pessoas perderam os seus
mandatos e seus direitos políticos por dez anos. Vinte e quatro dos noventa e
um generais da ativa foram mandados para a reserva. Ainda ao longo de 1964, mais
treze pessoas morreram por relações diretas com o golpe. Nove delas teriam se
suicidado (p. 133).
As
torturas já começaram nos primeiros momentos do golpe, com destaque para
Gregório Bezerra, comunista histórico e o almirante Cândido Aragão (p. 134).
Gaspari fez uma importante observação sobre a sanha repressiva nos primeiros
instantes do golpe:
“Perseguir
subversivos era uma tarefa bem mais fácil do que encarcerar corruptos, pois se
os primeiros defendiam uma ordem política, os outros aceitavam quaisquer tipos
de ordem” (137).
É
sempre importante lembrar que uma das alegações para o golpe foi justamente
“acabar com a corrupção”. Curiosamente, nos famigerados Inquéritos Policiais
Militares – IPM’s, os processos envolvendo subversão eram rapidamente
concluídos e terminavam em punição. Já quando envolviam casos de corrupção em
órgãos públicos, os IPM’s eram arquivados ou resultavam em penas brandas.
Ainda
em 1964, o jornalista Carlos Heito Cony começou a denunciar na imprensa os
casos de tortura. No final do ano o jornal Correio da Manhã lançou um duro editorial
sobre a tortura. Golbery falava de forma vaga sobre o tema e Carlos Lacerda
terminou seus últimos dias de vida negando a prática (p. 144).
Na
tentativa de acalmar os críticos, Castello lançou a “Missão Geisel”, chefiada
por Ernesto para investigar as denúncias de tortura. Como era de se esperar,
não deu em nada. Apesar de não punir, a missão colocou, mesmo que
temporariamente medo nos torturadores, que interromperam a prática.
Golbery
aproveitou e colocou em prática ideia que defendia desde de 1954 na Escola
Superior de Guerra: a criação do Serviço Nacional de Informações – SNI (p.
155). Ele foi um importante articulador do golpe. Desde 1962 trabalhava no IPÊS.
Curiosamente, no mesmo edifício em que funcionava o instituto de fachada para o
golpe, estava estabelecido a agência de notícias cubana Prensa Latina, uma base
clandestina do PCB e um grupo terrorista de direita (p. 155-156).
Golbery
seria uma pessoa austera. Morava em Jacarepaguá e ia de ônibus para o trabalho.
A lei 4341 de 13 de junho de 1964 colocou seu sonho em prática. O órgão devia
satisfações apenas ao presidente, diferente de outros órgãos de espionagem como
a KGB e o MI-5 que tinham que dar explicações a órgãos colegiados (p. 158). A
maioria de seus membros eram militares como o cel. João Batista Figueiredo, que
virou seu chefe e só saiu de lá em 1979 para assumir a presidência da
república. A CIA colaborou na criação do órgão de espionagem brasileiro, assim
como o MI-5 e os governos da Argentina e de Portugal. Posteriormente foram
estabelecidos laços com outros serviços secretos como o francês, italiano,
alemão ocidental e israelense (p. 168-169).
O
órgão tinha participação ativa em questões de articulação política e chegou a
ser um dos dez serviços secretos mais bem equipados do mundo (p. 171). Os
tentáculos do SNI eram enormes. O órgão estava envolvido também em contrabando,
concessões de rádio e televisão, administração de jazidas, mediação de
conflitos pela posse da terra, além de acobertamento de torturas e atentados
praticados pela extrema direita. Até participação numa tentativa de fraude das
eleições de 1982 o SNI teve (p. 172).
Logo
após destinar um capítulo ao SNI Gaspari entra na Revolução Cubana e seus
desdobramentos no Brasil. Ele cita que inicialmente, Luís Carlos Prestes era um
crítico da revolução (p. 180). Para Cuba, era altamente interessante a expansão
a evolução elo continente como estratégia de autodefesa. Francisco Julião,
líder das Ligas Camponesas, era favorável a implantação de uma reforma agrária
pela via parlamentar. Após encontro com Che Guevara, mudou de ideia e passou a
defender a luta armada (idem). Prestes
continuava contrário a luta armada ao estilo cubano. Continuava fiel ao PCUS.
Em
1962 o governo cubano passou a apoiar o Movimento Revolucionário Tiradentes –
MRT. A queda de um avião comercial da Varig no Peru acabou facilitando a
descoberta do grupo (p. 181). Os expurgos nas Forças Armadas logo após o golpe
acabou sendo um bom fornecedor de mão-de-obra para os primeiros grupos
guerrilheiros. Leonel Brizola tentou montar grupos guerrilheiros no Sul do país
mas fracassou na iniciativa. Ex-militares ligados a ele montaram o Movimento
Nacionalista Revolucionário – MNR. Apesar de apoiar a luta armada, Brizola não
via no modelo cubano a melhor alternativa para a realidade brasileira. Entretanto,
em 1965 mudou de ideia. Ele enviou homens para treinamento e recebeu verbas dos
cubanos, embora tenha se esforçado para se dissociar dos caribenhos aos longo
de sua vida. A aliança Brizola-Fidel amendrontou os militares, principalmente
após a volta de Perón ao jogo político argentino (p. 197-198).
Vários
ex-militares com envolvimento co Brizola foram torturados ou mesmo assassinados
como foi o caso do ex-sargento Manoel Raimundo Soares. O caso chegou até o Superior
Tribunal Militar, mas não deu em nada (p. 204). Isso era inclusive uma quebra
da tradição militar de não se torturar oficiais. Mas, com as vistas grossas
feitas por Geisel aos casos de tortura, o caminho para a crença na
iniputabilidade foi aberto.
No
final de 1966, os primeiros guerrilheiros chegaram a região do Caparaó. Em
março, dois ex-sargentos foram presos enquanto esperavam ônibus para o Rio de
Janeiro. Rapidamente o plano foi descoberto e a guerrilha acabou antes de
começar. O último grande ícone da esquerda brasileira cassado ruíra. No geral,
1967 foi uma no muito ruim para Fidel, já que além do fracasso no Brasil,
planos de guerrilha na Colômbia, Guatemala, Peru e Venezuela não deram acerto,
além da desastrosa morte de Che Guevara na selva boliviana.
A
direita brasileira julgava que as massas populares eram incapazes de decidirem
os seus próprios rumos, devendo ser tuteladas. Somado à essa perspectiva, havia
u forte sentimento anticomunista. Essa mistura era um revolver engatilhado para
matar a democracia nascida em 1945. Logo após a Segunda Guerra Mundial, o mundo
se tornou mais democrático e infelizmente com o golpe o país seguiu um caminho
inverso, mesmo com números positivos no período. Um exemplo é que o número de
universitários saltou de 33 mil em 1950 para 142 mil em 1964 (p. 216).
No
esporte a na cultura, o país fervilhou nas décadas de 1950 e 1960. Futebol,
tênis, basquete, Bossa-Nova, cinema e teatro eram algumas das áreas que estavam
em seu ápice. Ainda assim, os reacionários reagiam de forma violenta contra a
cultura popular. Em opinião publicada em 5 de janeiro de 1965 pelo Estadão,
houve uma forte condenação a desfile das escolas de samba classificados como: “
[...] a recrudescência da mentalidade primitiva do tribalismo negro” (p. 218).
A
perseguição a cultura tida como “degenerada” começou nos primeiros dias do
golpe. Alceu Amoroso Lima, intelectual de direita denominou o período de “terrorismo
cultural” e foi mais além, dizendo que a “ [...] maior inflação nacional é de
estupidez” (p. 220). Em junho de 1964, Castello Branco solicitou o fechamento
da UNE, pensando que um mero ato burocrático debelaria os anseios de
participação politica dos jovens. Assim como os expurgos nas Forças Armadas,
esse ato ajudou a reforçar as fileiras da luta armada (p. 226). Lamentavelmente
Gilberto Freyre foi fervoroso apoiador da ditadura e de suas perseguições no
meio cultural (p. 230).
Após
a prisão de Ênio Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira por ter
oferecido uma feijoada ao governador cassado de Pernambuco Miguel Arraes a
imagem do regime ficou ruim. Um manifesto no meio cultural recolheu mais de mil
assinaturas. Em comunicado ao chefe do Gabinete Militar Ernesto Geisel, até
Castello reconheceu que o país estava mergulhando num “terrorismo cultural” (p.
230-231). A repressão contra o movimento estudantil aumentou e a mesma classe
média que havia aplaudido o golpe, agora se voltava contra ele ao ver seus
filhos serem espancados na rua por policiais.
Parte
III – A construção
Negrão
de Lima e Israel Pinheiro nunca foram oposicionistas, pelo contrário, se
destacaram em suas trajetórias políticas sendo adesistas à situação. A vitória
deles na Guanabara e em Minas Gerais respectivamente nas eleições de 1966 só
demonstrou que apesar de ter bons índices nas pesquisas, Carlos Lacerda não
tinha fôlego para chegar à presidência pelo voto. Isso justificava a escolha
indireta do próximo presidente (p. 240). Três semanas depois, Castello baixou o
AI-2, que estabeleceu a eleição indireta para presidente e acabou com os
partidos políticos existentes.
Quando
explodiu a bomba no aeroporto dos Guararapes, o governo imediatamente culpou os
cubanos (p. 241), quando na verdade o autor havia sido Raimundo Gonçalves
Figueiredo, o Raimundinho da Ação Popular – AP (p. 243). Não se pode dizer que
a ordem do atentado tenha partido de Cuba, mas a AP tinha relações com a ilha.
Marighella
ficou três meses preso em 1964. Após sair do cárcere escreveu o livro “Porque
resisti à prisão”, onde timidamente ele começou a dar pistas sobre a opção pela
luta armada (p. 246). Prestes tentava freá-lo, mas o prestígio de Marighella ia
crescendo. Entre 1964 e 1966 ainda havia alguma legalidade. Além disso, o PCB
era aliado à URSS, o PC do B à China e Brizola aos cubanos. Faltava apoio
externo para a luta. Até a década de 1980, a URSS mandava de 200 a 300 mil
dólares por ano para o PCB (p. 248). Quando sua aliança com os cubanos se
consolidou, Marighella saiu do PCB.
O
terrorismo começou no Brasil em 1962 e não foi pelas mãos da esquerda. Radicais
de direita aliados a alguns militares dispararam tiros contra o Congresso da
UNE ferindo dois estudantes. O grupo que cometeu o ato foi o Movimento Anti-Comunista
– MAC (p. 251). No ano seguinte surgiu o Comando de Caça aos Comunistas – CCC. Antes
do golpe, militares e empresários já se armavam (p. 252).
Houve
três atentados contra Jango. O primeiro liderado pelo tenente-coronel Roberto
Hipólito da Costa. Ele pretendia abater o avião do presidente. O segundo, desbaratado
pelo gen. Antônio Carlos Muricy pretendia incendiar o palco onde Jango faria
seu histórico discurso na Central do Brasil. O último plano seria executado em
16 de abril em discurso que o presidente faria na Praça da Estação em Belo
Horizonte.
A
complacência do regime encorajou esses grupos. Atos em teatros contra atores e plateia
foram se tornando comuns. Não eram raros os casos de oficiais insubordinados
que atropelavam decisões da justiça. Um exemplo foi o cel. Fernando de Carvalho
que se negou a solta Miguel Arraes após a obtenção do habeas corpus. Só após
ser ameaçado de prisão, ele cumpriu a ordem (p. 257).
Em
1967 o presidente Costa e Silva criou o Centro de Operações do Exército – CIE. Sua
função era investigar e militarizar as funções da polícia. O cel. Adyr Fiúza de
Castro, escritor medíocre que conseguiu por pressão uma vaga na Academia
Brasileira de Letras foi o encarregado de organizá-lo.
Gaspari
classificou Costa e Silva como o típico ditador latino-americano: velho,
jogador compulsivo, fora de forma, usava óculos escuros e não era visto como
dotado de grande inteligência (p. 268-269). Ao que parece sofria também de
depressão. Pensou algumas vezes em sair do Exército, mas foi convencido por
Juarez Távora e Médici a ficar (p. 269).
Costa
e Silva sabia usar a ira dos radicais à seu favor. Ele foi aos poucos erodindo
a base de apoio de Castello. Ernesto Geisel havia aconselhado a sua demissão do
ministério da Guerra em 1965, mas Castello cometeu o erro de recusar (p. 271). Costa
e Silva foi ganhando apoio da imprensa. O Jornal do Brasil chegou a chamá-lo de
“encruzilhada de todas as aspirações” (p. 272). Seu médico particular lhe deu
mais dois anos de vida. A noticia chegou aos ouvidos de Jayme Portella e Mário Andreazza. Mesmo
assim, foi mantido o resultado da “eleição” de 1966.
Édson
Luís não tinha envolvimento nenhuma com a militância política. Realmente havia
sido vítima de uma bala perdida da polícia. Na missa realizada em sua homenagem
na igreja da Candelária, a polícia não só espancou os manifestantes como também
sequestrou os irmãos Duarte. Foram torturados e liberados 14 dias depois (p.
281-282). A omissão do governo ia dando cada vez mais força à linha dura.
O
brigadeiro Burnier, o mesmo que havia participado da Revolta de Aragarças
contra Juscelino Kubitscheck (e que foi anistiado por Jânio Quadros) e que
havia planejado o Para-Sar criou o Centro de Inteligência da Aeronáutica –
CISA.
A
repressão aumentava e a reação também. A Ação Popular e a Colina planejaram a
greve dos trabalhadores de Contagem, que mesmo com a repressão, acabou causando
reajuste dos salários em nível nacional. A manifestação que terminou com o
palco onde o governador Abreu Sodré faria o discurso queimado foi organizada
pelo PCB. Nem o MDB quis participar do evento.
A
direita continuava feroz. Quando o CCC invadiu o camarim dos artista da peça
“Roda Viva”, a atriz Marília Pêra foi agredida e atirada nua na rua. Até a
representação comercial da URSS e a embaixada da Polônia foram atacados.
O
brigadeiro Burnier covardemente negou o seu plano de praticar ataques
terroristas no Rio de Janeiro para colocar a culpa nos comunistas, que ficou
conhecido como Para-Sar. Quando Sérgio Macaco o denunciou e apresentou provas,
mas ainda assim o caso não caminhou, muito pelo contrário. Sargentos que haviam
dado depoimentos contra Burnier foram obrigados a voltarem atrás (p. 301). Quem
acabou punido foi Macaco com prisão de 25 dias e transferência. O brig. Itamar
que comandou a investigação e concluiu que o colega Burnier era culpado foi
preso e demitido pouco tempo depois (p. 319). Quem poderia impedir isso (o
brigadeiro Eduardo Gomes) preferiu se calar para não “manchar a instituição”.
Quando a ditadura já estava em crise, num gesto de cinismo Eduardo Gomes começou
a defender Sérgio Macaco (p. 321).
Costa
e Silva estava encurralado. O chefe do Gabinete Militar Jayme Portella
classificou o momento de “O início da contrarrevolução” (p. 396). O ministro da
Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o “Gaminha” deixou clara as intenções
próximas de atropelar a Constituição. Em agosto, quando os protestos estavam
diminuindo, Costa e Silva e seus ministros batiam a cabeça sobre a manutenção
da legalidade ou não. Neste mês estourou uma greve em Osasco, com influência de
membros da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR. O líder da greve, José
Campos Barreto, o Zequinha, foi preso e torturado. Nesse momento, a
participação da policia nos abusos começou a ganhar uma macabro destaque.
Enquanto
a esquerda lutava, apareceu a bizarra figura de Aladino Félix, que se dizia
protegido por uma civilização jupteriana e que tinha perpetrado quatorze atentados
à bomba e um assalto à banco em São Paulo, com a ajuda de membros da Força
Pública (p. 314). Aladino chegou a dizer que agia por ordem do gen. Jayme
Portella. Depois teve uma fuga estranha da cadeia e foi recapturado no ano
seguinte. Nunca ficou completamente esclarecida sua atuação no período (p.
314-315).
O
discurso do deputado federal Márcio Moreira Sales havia passado praticamente
despercebido. Lyra Tavares mandou um ofício a Costa e Silva reclamando da
situação e Jayme Portella se aproveitou do caso para fabricar uma crise (p.
317).
Antes
da decisão de se fazer o XXX Congresso da UNE num sítio em Atibaia, o
governador paulista Abreu Sodré teria feito a proposta de realização do evento
no Conjunto Residencial da USP (p. 323). Para as Forças Armadas e para alguns
participantes anos depois, o congresso foi feito para dar errado. Com as
prisões muitos jovens poderiam (e de fato fizeram) a adesão à luta armada (p.
324). Até 1974, 19 participantes do Congresso de Ibiúna morreram na luta armada
(p. 326).
O
CCC subia o tom. Alunos no Mackenzie e membros do CCC com a ajuda de alguns
policiais iniciaram a batalha da rua Maria Antônia que terminou com o saldo de
um estudante secundarista morto e o prédio da FFCL da USP incendiado. As passeatas
pela morte de Édson Luís terminaram com o saldo de dez mortos. Nenhuma dessas
mortes foi investigada (p. 328). Até mesmo questões salariais já estavam saindo
do controle dentro das Forças Armadas (p. 330).
Em
12 de dezembro de 1968 veio o que já previra o senador Krieger. O Congresso
Nacional vetou o pedido de feito pelo Executivo para processa Márcio Moreira
Alves.vA crise aumentou. Os
insubrodinados e até alguns em cima do muro colocaram a “faca no pescoço” de
Costa e Silva.
Pedro
Aleixo e Magalhães Pinto fizeram tímida oposição ao AI-5. Mas no final cederam.
Querendo mais poder e destaque, Delfim Netto não só aprovou o AI-5 como ainda
sugeriu que o ato fosse ainda mais rigoroso (p. 338-339). Rondon Pacheco
aprovou, mas sugeriu que o ato durasse apenas uma ano (p. 340). Entre os
artigos do AI- 5, havia um que proibia a um indivíduo o exercício de sua função
e outro que permitia o confisco de bens (p. 342). Juscelino Kubitscheck e
Carlos Lacerda foram presos. Outros apoiadores do golpe, como o advogado Sobral
Pinto também. Marília Pêra foi trancada num mictório de uma quartel. Caetano
Veloso e Gilberto Gil foram presos, tiveram os seus cabelos raspados e foram
exilados (p. 344).
Delfim
Netto chamava de “tigrada” os militares que haviam se incumbido de destruir a
esquerda (p. 347). Para as organizações armadas como a ALN, PC do B e o PCBR, o
AI-5 foi visto como um sinal de que o inimigo estava enfraquecido (p. 347-348).
Trágico engano. Mais trágico ainda era que a visão da esquerda sobre as classes
populares de acordo com o autor não diferia muito da que tinha a direita: os
enxergavam como massa de manobra (p. 352).
No
início de 1969 havia cera de 800 pessoas envolvidas na luta armada (p. 354). O
foco excessivo das organizações em derrubar Costa e Silva fez com que eles não
enxergassem num primeiro momento a “tigrada” (p. 356). No início, as
organizações saíram em vantagem. Praticavam assaltos, se fortaleciam e polícia
e exército “batiam cabeça”.
A
destruição do Colina no bairro São Geraldo em Belo Horizonte resultou na morte
de dois policiais, mas marcou a mudança na forma como o exército lidava com a
questão. As torturas se sofisticaram e os “suicídios” aumentaram como
consequência. Em 8 de outubro de 1969 o ten. Ailton Joaquim da Polícia do Exército promoveu a vergonhosa aula de
tortura, como se fosse um show para mais de 100 pessoas (p. 362).
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