quinta-feira, 11 de junho de 2020

Resumo do livro "A ditadura envergonhada" de Elio Gaspari


GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. 2. ed. rev. – Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.
Nesta edição revista e ampliada, o autor justifica-se dizendo que a mesma foi necessária devido ao surgimento de novos documentos como gravações que provam que o presidente estadunidense John F. Kennedy (1961-1963) apoiou a derrubada do presidente João Goulart (p. 13).
A ideia inicial de Gaspari não era escrever uma quadrilogia (que em 2016 recebeu um complemento com um quinto livro), mas um ensaio sobre a sua pesquisa realizada nos Estados Unidos. Em 1984 ele se deu conta de que o material acumulado durante anos de pesquisa renderia um livro (p. 15)
Heitor Ferreira cuidava dos arquivos de Golbery do Couto e Silva. Em 1985 ele os repassou a Gaspari. Para a confecção da quadrilogia ele também contou com a ajuda do ex-presidente-militar Ernesto Geisel, juristas, políticos, militares, burocratas e especialistas no período.
O primeiro livro começa com a demissão do ministro do Exército Sylvio Frota em 12 de outubro de 1977, feriado nacional de Nossa Senhora Aparecida. Essa data não teria sido escolhida à toa. Por ser feriado, seria mais difícil o ministro mobilizar um golpe dentro do golpe (p. 29).
Ainda nas primeiras páginas, Gaspari chama a atenção para a importância de sua obra devido ao fato de que são muitos os trabalhos que abordam a ascensão de governos militares, mas poucos falam de suas saídas. Ele também defende que numa tentativa de manter uma suposta aura de superioridade perante governos civis, os militares pouco falam de seus próprios governos (p. 40). Fechando a introdução, Gaspari faz uma interessante observação: Para quem quiser cortar caminho na busca por motivos porque Geisel e Golbery desmontaram a ditadura, a resposta é simples: porque o regime militar, outorgando-se o monopólio da ordem, era uma grande bagunça (p. 43).
Primeira Parte
O Palácio das Laranjeiras funcionava com residência oficial de Jango. No dia 30 de março de 1964 estava marcada a presença de Jango em reunião com sargentos e suboficiais das Forças Armadas no Automóvel Clube. Tancredo Neves, então deputado federal e líder do governo o aconselhou a não ir, pois o clima estava tenso. Ele foi (p. 47). De acordo com Antônio Carlos Magalhães, Jango tinha 15 mil hectares de terras e um rebanho de 65 mil animais (p. 48).
Nas eleições de 1960, Jânio Quadros recebeu 5.6 milhões de votos e João Goulart 4,5 milhões para a vice-presidência. No plebiscito de 1963, foram dados 9,5 milhões de votos para o presidencialismo contra 2 milhões do parlamentarismo (p. 49). Isso mostra a legitimidade que o governo Jango tinha e que foi atropelada pelos tanques na virada de 31 de março para 1 de abril.
Em outubro de 1963, Jango enviou para o Congresso Nacional a solicitação para a implantação de estado de sítio. Se viu sem apoio até mesmo entre as esquerdas e teve que voltar atrás. Na base da pressão, o presidente tentava reaver o apoio político para se manter no poder até 1966 e para isso insuflou o povo para pressionar os parlamentares a apoiarem as Reformas de Base. Ele também teria tentado uma manobra para aprovar a sua reeleição, o que mostra uma falta de visão sobre o momento político que vivia. Luís Carlos Prestes numa entrevista à TV Tupi declarou que apoiava a reeleição e não só isso: era favorável à dissolução do Congresso Nacional e eleições para uma Constituinte (p. 51), jogando gasolina na fogueira.
Os congressistas em sua maioria não tinham a menor intenção em aprovar as reformas. O que eles pretendiam era “cozinhar” Jango até a realização das eleições. Pesquisas de opinião apontavam a liderança de Juscelino Kubitscheck do PSD com 37% dos votos contra expressivos 25% de Carlos Lacerda da UDN (idem).
Apesar do revés em declarar estado de sítio, a situação parecia favorável à Jango. A Marinha lhe era contrária, mas estava desmoralizada. Parte da Aeronáutica (principalmente os sargentos) estavam à seu favor, assim como importantes lideranças do Exército (p. 54). Gaspari interpreta que a democracia corria risco pelos dois lados (p. 53). Havia um “Dispositivo Militar”, criado pelo chefe do Gabinete Militar, o general Argemiro de Assis Brasil para garantir a lealdade dos quartéis ao presidente. Este dispositivo amedrontava vários golpistas como Costa e Silva (56).
Castello Branco se manteve por algum tempo numa posição dúbia. Apoiou, mesmo que de forma reservada a posse de Jango. Mas começou a se mostrar insatisfeito com a sua administração (p. 57). Somente em dezembro de 1963 ele aderiu à conspiração, convencido pelo gen. Cordeiro de Farias e pelo mal. Ademar de Queiroz.
Os preparativos do golpe se aceleravam. Os estadunidenses já haviam se comprometido com o apoio material e militar. Até o fornecimento de combustível foi acertado (p. 63). O gen. Olímpio Mourão Filho, que havia colocado as tropas para marcharem rumo ao Rio de Janeiro e que se julgava um defensor da democracia e da moralidade era a mesma pessoa responsável pela autoria do Plano Cohen, mentira inventada sobre um plano dos comunistas para tomarem o poder. Este embuste serviu para justificar o golpe do Estado Novo em 1937. Na época ele era do setor de inteligência da Ação Integralista Brasileira, movimento de inspiração fascista que apoiava Vargas, mas que acabou sendo vítima do ditador em 1938. Além de seu currículo golpista e fascista, Mourão se destacava por bajular governantes em busca de benesses. Ele enviou telegrama a Jango em 1961 saudando a sua posse e um ano antes havia pedido ao ministério da Guerra que não o tirasse da Comissão Técnica de Rádio, cargo civil que lhe dava privilégios como dinheiro carro e motorista particular (p. 71).
Amauri Kruel era um importante aliado de Jango. Seu apoio havia sido comprado com a indicação do filho para o Lloyd Brasileiro, assim como pela facilitação para a compra de uma fazenda no Espírito Santo. (p. 72). Além disso tinha histórico de envolvimento com grupos de extermínio. A tensão era muito grande no dia 31 de março. Os golpistas não tinham munição ao suficiente para um combate, alguns participantes declinavam e os estadunidenses ofereciam um apoio discreto. Do lado do governo, alguns integrantes queriam aproveitar o momento para radicalizar.
O “dispositivo” de Jango só funcionaria se ele tomasse rumos radicais como intervir nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Guanabara, censurasse a imprensa e fosse para o confronto com tropas golpistas (p. 85). A questão é: seria esta uma atitude sustentável? Possivelmente não. O “se” é uma possibilidade muito sedutora, mas que o historiador deve abandoná-la rapidamente.
Jango era um vacilante, mas de acordo com o autor este não foi o motivo principal de sua queda. Gaspari diz:
“Sem dúvida a inércia de Goulart foi um detergente para as forças que o apoiavam. No entanto, ninguém apoiava Jango supondo-o resoluto. Além disso, nenhuma força à esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia 31.” (p.86-87).
Darcy Ribeiro era o integrante mais radical do governo. Ele queria partir para o ataque contra as tropas de Mourão. A própria esquerda tinha medo do que Jango poderia fazer, caso conseguisse se defender do golpe (p. 88-89). Além disso, a adesão de Kruel à causa golpista por meio de suborno terminou sendo o fiel da balança. Outro ponto importante destacado por Gaspari é que “Um governo que tolerava a indisciplina não deveria acreditar que seria defendido de armas na mão por militares disciplinados” (p. 94). Carlos Alberto Brilhante Ustra foi mandado para o combate das tropas do gen. Mourão Filho, mesmo tendo histórico anti-janguista Como alguém como ele defenderia o governo? Foi no mínimo muita ingenuidade (idem). Tanto é que Ustra, com a ajuda de alguns cabos armou um congestionamento na Avenida Brasil para retardar o envio de tropas.
O ministro San Tiago Dantas sabia da possibilidade do auxílio dos Estados Unidos aos golpistas. Havia o plano de o governador de Minas Gerais Magalhães Pinto declarar secessão e solicitar ajuda dos estadunidenses, caso Jango conseguisse sufocar o golpe. Em 1 de abril o presidente foi alertado da possibilidade (p. 98). Jango era fraco e indeciso, mas seus apoiadores eram ainda mais que ele.
Bem sucedida a manobra militar, veio a oficialização do golpe, resolvida pelo presidente do senado, o paulista Auro de Moura Andrade que declarou vacância do cargo de presidente com Jango ainda no país e forçando o presidente da Câmara dos Deputados Ranieri Mazzilli a tomar posse como presidente. Ocorreram manifestações anti-golpe em cidades como Recife e Rio de Janeiro que foram duramente reprimidas, com a morte de sete civis (p. 113). No dia 2, Mazzilli recebeu um telegrama de parabenização do presidente Lindon Johnson. Já não fazia mais sentido manter a Operação Brother Sam. No geral, Elio Gaspari considerou a vitória dos golpistas surpreendente (p. 121).
Parte II – A violência
Cerca de 5 mil pessoas foram presas nas primeiras semanas do golpe. A embaixada da Iugoslávia serviu de refúgio para muitos pois era a única instalada em Brasília (p. 132). A ferocidade contra os opositores seguiu a todo vapor no governo Castello. Entre 1964 e 1966 cerca de 2 mil funcionários públicos foram demitidos ou aposentados compulsoriamente, além de 386 pessoas perderam os seus mandatos e seus direitos políticos por dez anos. Vinte e quatro dos noventa e um generais da ativa foram mandados para a reserva. Ainda ao longo de 1964, mais treze pessoas morreram por relações diretas com o golpe. Nove delas teriam se suicidado (p. 133).
As torturas já começaram nos primeiros momentos do golpe, com destaque para Gregório Bezerra, comunista histórico e o almirante Cândido Aragão (p. 134). Gaspari fez uma importante observação sobre a sanha repressiva nos primeiros instantes do golpe:
“Perseguir subversivos era uma tarefa bem mais fácil do que encarcerar corruptos, pois se os primeiros defendiam uma ordem política, os outros aceitavam quaisquer tipos de ordem” (137).
É sempre importante lembrar que uma das alegações para o golpe foi justamente “acabar com a corrupção”. Curiosamente, nos famigerados Inquéritos Policiais Militares – IPM’s, os processos envolvendo subversão eram rapidamente concluídos e terminavam em punição. Já quando envolviam casos de corrupção em órgãos públicos, os IPM’s eram arquivados ou resultavam em penas brandas.
Ainda em 1964, o jornalista Carlos Heito Cony começou a denunciar na imprensa os casos de tortura. No final do ano o jornal Correio da Manhã lançou um duro editorial sobre a tortura. Golbery falava de forma vaga sobre o tema e Carlos Lacerda terminou seus últimos dias de vida negando a prática (p. 144).
Na tentativa de acalmar os críticos, Castello lançou a “Missão Geisel”, chefiada por Ernesto para investigar as denúncias de tortura. Como era de se esperar, não deu em nada. Apesar de não punir, a missão colocou, mesmo que temporariamente medo nos torturadores, que interromperam a prática.
Golbery aproveitou e colocou em prática ideia que defendia desde de 1954 na Escola Superior de Guerra: a criação do Serviço Nacional de Informações – SNI (p. 155). Ele foi um importante articulador do golpe. Desde 1962 trabalhava no IPÊS. Curiosamente, no mesmo edifício em que funcionava o instituto de fachada para o golpe, estava estabelecido a agência de notícias cubana Prensa Latina, uma base clandestina do PCB e um grupo terrorista de direita (p. 155-156).
Golbery seria uma pessoa austera. Morava em Jacarepaguá e ia de ônibus para o trabalho. A lei 4341 de 13 de junho de 1964 colocou seu sonho em prática. O órgão devia satisfações apenas ao presidente, diferente de outros órgãos de espionagem como a KGB e o MI-5 que tinham que dar explicações a órgãos colegiados (p. 158). A maioria de seus membros eram militares como o cel. João Batista Figueiredo, que virou seu chefe e só saiu de lá em 1979 para assumir a presidência da república. A CIA colaborou na criação do órgão de espionagem brasileiro, assim como o MI-5 e os governos da Argentina e de Portugal. Posteriormente foram estabelecidos laços com outros serviços secretos como o francês, italiano, alemão ocidental e israelense (p. 168-169).
O órgão tinha participação ativa em questões de articulação política e chegou a ser um dos dez serviços secretos mais bem equipados do mundo (p. 171). Os tentáculos do SNI eram enormes. O órgão estava envolvido também em contrabando, concessões de rádio e televisão, administração de jazidas, mediação de conflitos pela posse da terra, além de acobertamento de torturas e atentados praticados pela extrema direita. Até participação numa tentativa de fraude das eleições de 1982 o SNI teve (p. 172).
Logo após destinar um capítulo ao SNI Gaspari entra na Revolução Cubana e seus desdobramentos no Brasil. Ele cita que inicialmente, Luís Carlos Prestes era um crítico da revolução (p. 180). Para Cuba, era altamente interessante a expansão a evolução elo continente como estratégia de autodefesa. Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, era favorável a implantação de uma reforma agrária pela via parlamentar. Após encontro com Che Guevara, mudou de ideia e passou a defender a luta armada  (idem). Prestes continuava contrário a luta armada ao estilo cubano. Continuava fiel ao PCUS.
Em 1962 o governo cubano passou a apoiar o Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT. A queda de um avião comercial da Varig no Peru acabou facilitando a descoberta do grupo (p. 181). Os expurgos nas Forças Armadas logo após o golpe acabou sendo um bom fornecedor de mão-de-obra para os primeiros grupos guerrilheiros. Leonel Brizola tentou montar grupos guerrilheiros no Sul do país mas fracassou na iniciativa. Ex-militares ligados a ele montaram o Movimento Nacionalista Revolucionário – MNR. Apesar de apoiar a luta armada, Brizola não via no modelo cubano a melhor alternativa para a realidade brasileira. Entretanto, em 1965 mudou de ideia. Ele enviou homens para treinamento e recebeu verbas dos cubanos, embora tenha se esforçado para se dissociar dos caribenhos aos longo de sua vida. A aliança Brizola-Fidel amendrontou os militares, principalmente após a volta de Perón ao jogo político argentino (p. 197-198).
Vários ex-militares com envolvimento co Brizola foram torturados ou mesmo assassinados como foi o caso do ex-sargento Manoel Raimundo Soares. O caso chegou até o Superior Tribunal Militar, mas não deu em nada (p. 204). Isso era inclusive uma quebra da tradição militar de não se torturar oficiais. Mas, com as vistas grossas feitas por Geisel aos casos de tortura, o caminho para a crença na iniputabilidade foi aberto.
No final de 1966, os primeiros guerrilheiros chegaram a região do Caparaó. Em março, dois ex-sargentos foram presos enquanto esperavam ônibus para o Rio de Janeiro. Rapidamente o plano foi descoberto e a guerrilha acabou antes de começar. O último grande ícone da esquerda brasileira cassado ruíra. No geral, 1967 foi uma no muito ruim para Fidel, já que além do fracasso no Brasil, planos de guerrilha na Colômbia, Guatemala, Peru e Venezuela não deram acerto, além da desastrosa morte de Che Guevara na selva boliviana.
A direita brasileira julgava que as massas populares eram incapazes de decidirem os seus próprios rumos, devendo ser tuteladas. Somado à essa perspectiva, havia u forte sentimento anticomunista. Essa mistura era um revolver engatilhado para matar a democracia nascida em 1945. Logo após a Segunda Guerra Mundial, o mundo se tornou mais democrático e infelizmente com o golpe o país seguiu um caminho inverso, mesmo com números positivos no período. Um exemplo é que o número de universitários saltou de 33 mil em 1950 para 142 mil em 1964 (p. 216).
No esporte a na cultura, o país fervilhou nas décadas de 1950 e 1960. Futebol, tênis, basquete, Bossa-Nova, cinema e teatro eram algumas das áreas que estavam em seu ápice. Ainda assim, os reacionários reagiam de forma violenta contra a cultura popular. Em opinião publicada em 5 de janeiro de 1965 pelo Estadão, houve uma forte condenação a desfile das escolas de samba classificados como: “ [...] a recrudescência da mentalidade primitiva do tribalismo negro” (p. 218).
A perseguição a cultura tida como “degenerada” começou nos primeiros dias do golpe. Alceu Amoroso Lima, intelectual de direita denominou o período de “terrorismo cultural” e foi mais além, dizendo que a “ [...] maior inflação nacional é de estupidez” (p. 220). Em junho de 1964, Castello Branco solicitou o fechamento da UNE, pensando que um mero ato burocrático debelaria os anseios de participação politica dos jovens. Assim como os expurgos nas Forças Armadas, esse ato ajudou a reforçar as fileiras da luta armada (p. 226). Lamentavelmente Gilberto Freyre foi fervoroso apoiador da ditadura e de suas perseguições no meio cultural (p. 230).
Após a prisão de Ênio Silveira, dono da Editora Civilização Brasileira por ter oferecido uma feijoada ao governador cassado de Pernambuco Miguel Arraes a imagem do regime ficou ruim. Um manifesto no meio cultural recolheu mais de mil assinaturas. Em comunicado ao chefe do Gabinete Militar Ernesto Geisel, até Castello reconheceu que o país estava mergulhando num “terrorismo cultural” (p. 230-231). A repressão contra o movimento estudantil aumentou e a mesma classe média que havia aplaudido o golpe, agora se voltava contra ele ao ver seus filhos serem espancados na rua por policiais.
Parte III – A construção
Negrão de Lima e Israel Pinheiro nunca foram oposicionistas, pelo contrário, se destacaram em suas trajetórias políticas sendo adesistas à situação. A vitória deles na Guanabara e em Minas Gerais respectivamente nas eleições de 1966 só demonstrou que apesar de ter bons índices nas pesquisas, Carlos Lacerda não tinha fôlego para chegar à presidência pelo voto. Isso justificava a escolha indireta do próximo presidente (p. 240). Três semanas depois, Castello baixou o AI-2, que estabeleceu a eleição indireta para presidente e acabou com os partidos políticos existentes.
Quando explodiu a bomba no aeroporto dos Guararapes, o governo imediatamente culpou os cubanos (p. 241), quando na verdade o autor havia sido Raimundo Gonçalves Figueiredo, o Raimundinho da Ação Popular – AP (p. 243). Não se pode dizer que a ordem do atentado tenha partido de Cuba, mas a AP tinha relações com a ilha.
Marighella ficou três meses preso em 1964. Após sair do cárcere escreveu o livro “Porque resisti à prisão”, onde timidamente ele começou a dar pistas sobre a opção pela luta armada (p. 246). Prestes tentava freá-lo, mas o prestígio de Marighella ia crescendo. Entre 1964 e 1966 ainda havia alguma legalidade. Além disso, o PCB era aliado à URSS, o PC do B à China e Brizola aos cubanos. Faltava apoio externo para a luta. Até a década de 1980, a URSS mandava de 200 a 300 mil dólares por ano para o PCB (p. 248). Quando sua aliança com os cubanos se consolidou, Marighella saiu do PCB.
O terrorismo começou no Brasil em 1962 e não foi pelas mãos da esquerda. Radicais de direita aliados a alguns militares dispararam tiros contra o Congresso da UNE ferindo dois estudantes. O grupo que cometeu o ato foi o Movimento Anti-Comunista – MAC (p. 251). No ano seguinte surgiu o Comando de Caça aos Comunistas – CCC. Antes do golpe, militares e empresários já se armavam (p. 252).
Houve três atentados contra Jango. O primeiro liderado pelo tenente-coronel Roberto Hipólito da Costa. Ele pretendia abater o avião do presidente. O segundo, desbaratado pelo gen. Antônio Carlos Muricy pretendia incendiar o palco onde Jango faria seu histórico discurso na Central do Brasil. O último plano seria executado em 16 de abril em discurso que o presidente faria na Praça da Estação em Belo Horizonte.
A complacência do regime encorajou esses grupos. Atos em teatros contra atores e plateia foram se tornando comuns. Não eram raros os casos de oficiais insubordinados que atropelavam decisões da justiça. Um exemplo foi o cel. Fernando de Carvalho que se negou a solta Miguel Arraes após a obtenção do habeas corpus. Só após ser ameaçado de prisão, ele cumpriu a ordem (p. 257).
Em 1967 o presidente Costa e Silva criou o Centro de Operações do Exército – CIE. Sua função era investigar e militarizar as funções da polícia. O cel. Adyr Fiúza de Castro, escritor medíocre que conseguiu por pressão uma vaga na Academia Brasileira de Letras foi o encarregado de organizá-lo.
Gaspari classificou Costa e Silva como o típico ditador latino-americano: velho, jogador compulsivo, fora de forma, usava óculos escuros e não era visto como dotado de grande inteligência (p. 268-269). Ao que parece sofria também de depressão. Pensou algumas vezes em sair do Exército, mas foi convencido por Juarez Távora e Médici a ficar (p. 269).
Costa e Silva sabia usar a ira dos radicais à seu favor. Ele foi aos poucos erodindo a base de apoio de Castello. Ernesto Geisel havia aconselhado a sua demissão do ministério da Guerra em 1965, mas Castello cometeu o erro de recusar (p. 271). Costa e Silva foi ganhando apoio da imprensa. O Jornal do Brasil chegou a chamá-lo de “encruzilhada de todas as aspirações” (p. 272). Seu médico particular lhe deu mais dois anos de vida. A noticia chegou aos ouvidos  de Jayme Portella e Mário Andreazza. Mesmo assim, foi mantido o resultado da “eleição” de 1966.
Édson Luís não tinha envolvimento nenhuma com a militância política. Realmente havia sido vítima de uma bala perdida da polícia. Na missa realizada em sua homenagem na igreja da Candelária, a polícia não só espancou os manifestantes como também sequestrou os irmãos Duarte. Foram torturados e liberados 14 dias depois (p. 281-282). A omissão do governo ia dando cada vez mais força à linha dura.
O brigadeiro Burnier, o mesmo que havia participado da Revolta de Aragarças contra Juscelino Kubitscheck (e que foi anistiado por Jânio Quadros) e que havia planejado o Para-Sar criou o Centro de Inteligência da Aeronáutica – CISA.
A repressão aumentava e a reação também. A Ação Popular e a Colina planejaram a greve dos trabalhadores de Contagem, que mesmo com a repressão, acabou causando reajuste dos salários em nível nacional. A manifestação que terminou com o palco onde o governador Abreu Sodré faria o discurso queimado foi organizada pelo PCB. Nem o MDB quis participar do evento.
A direita continuava feroz. Quando o CCC invadiu o camarim dos artista da peça “Roda Viva”, a atriz Marília Pêra foi agredida e atirada nua na rua. Até a representação comercial da URSS e a embaixada da Polônia foram atacados.
O brigadeiro Burnier covardemente negou o seu plano de praticar ataques terroristas no Rio de Janeiro para colocar a culpa nos comunistas, que ficou conhecido como Para-Sar. Quando Sérgio Macaco o denunciou e apresentou provas, mas ainda assim o caso não caminhou, muito pelo contrário. Sargentos que haviam dado depoimentos contra Burnier foram obrigados a voltarem atrás (p. 301). Quem acabou punido foi Macaco com prisão de 25 dias e transferência. O brig. Itamar que comandou a investigação e concluiu que o colega Burnier era culpado foi preso e demitido pouco tempo depois (p. 319). Quem poderia impedir isso (o brigadeiro Eduardo Gomes) preferiu se calar para não “manchar a instituição”. Quando a ditadura já estava em crise, num gesto de cinismo Eduardo Gomes começou a defender Sérgio Macaco (p. 321).
Costa e Silva estava encurralado. O chefe do Gabinete Militar Jayme Portella classificou o momento de “O início da contrarrevolução” (p. 396). O ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o “Gaminha” deixou clara as intenções próximas de atropelar a Constituição. Em agosto, quando os protestos estavam diminuindo, Costa e Silva e seus ministros batiam a cabeça sobre a manutenção da legalidade ou não. Neste mês estourou uma greve em Osasco, com influência de membros da Vanguarda Popular Revolucionária – VPR. O líder da greve, José Campos Barreto, o Zequinha, foi preso e torturado. Nesse momento, a participação da policia nos abusos começou a ganhar uma macabro destaque.
Enquanto a esquerda lutava, apareceu a bizarra figura de Aladino Félix, que se dizia protegido por uma civilização jupteriana e que tinha perpetrado quatorze atentados à bomba e um assalto à banco em São Paulo, com a ajuda de membros da Força Pública (p. 314). Aladino chegou a dizer que agia por ordem do gen. Jayme Portella. Depois teve uma fuga estranha da cadeia e foi recapturado no ano seguinte. Nunca ficou completamente esclarecida sua atuação no período (p. 314-315).
O discurso do deputado federal Márcio Moreira Sales havia passado praticamente despercebido. Lyra Tavares mandou um ofício a Costa e Silva reclamando da situação e Jayme Portella se aproveitou do caso para fabricar uma crise (p. 317).
Antes da decisão de se fazer o XXX Congresso da UNE num sítio em Atibaia, o governador paulista Abreu Sodré teria feito a proposta de realização do evento no Conjunto Residencial da USP (p. 323). Para as Forças Armadas e para alguns participantes anos depois, o congresso foi feito para dar errado. Com as prisões muitos jovens poderiam (e de fato fizeram) a adesão à luta armada (p. 324). Até 1974, 19 participantes do Congresso de Ibiúna morreram na luta armada (p. 326).
O CCC subia o tom. Alunos no Mackenzie e membros do CCC com a ajuda de alguns policiais iniciaram a batalha da rua Maria Antônia que terminou com o saldo de um estudante secundarista morto e o prédio da FFCL da USP incendiado. As passeatas pela morte de Édson Luís terminaram com o saldo de dez mortos. Nenhuma dessas mortes foi investigada (p. 328). Até mesmo questões salariais já estavam saindo do controle dentro das Forças Armadas (p. 330).
Em 12 de dezembro de 1968 veio o que já previra o senador Krieger. O Congresso Nacional vetou o pedido de feito pelo Executivo para processa Márcio Moreira Alves.vA crise  aumentou. Os insubrodinados e até alguns em cima do muro colocaram a “faca no pescoço” de Costa e Silva.
Pedro Aleixo e Magalhães Pinto fizeram tímida oposição ao AI-5. Mas no final cederam. Querendo mais poder e destaque, Delfim Netto não só aprovou o AI-5 como ainda sugeriu que o ato fosse ainda mais rigoroso (p. 338-339). Rondon Pacheco aprovou, mas sugeriu que o ato durasse apenas uma ano (p. 340). Entre os artigos do AI- 5, havia um que proibia a um indivíduo o exercício de sua função e outro que permitia o confisco de bens (p. 342). Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda foram presos. Outros apoiadores do golpe, como o advogado Sobral Pinto também. Marília Pêra foi trancada num mictório de uma quartel. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram presos, tiveram os seus cabelos raspados e foram exilados (p. 344).
Delfim Netto chamava de “tigrada” os militares que haviam se incumbido de destruir a esquerda (p. 347). Para as organizações armadas como a ALN, PC do B e o PCBR, o AI-5 foi visto como um sinal de que o inimigo estava enfraquecido (p. 347-348). Trágico engano. Mais trágico ainda era que a visão da esquerda sobre as classes populares de acordo com o autor não diferia muito da que tinha a direita: os enxergavam como massa de manobra (p. 352).
No início de 1969 havia cera de 800 pessoas envolvidas na luta armada (p. 354). O foco excessivo das organizações em derrubar Costa e Silva fez com que eles não enxergassem num primeiro momento a “tigrada” (p. 356). No início, as organizações saíram em vantagem. Praticavam assaltos, se fortaleciam e polícia e exército “batiam cabeça”.
A destruição do Colina no bairro São Geraldo em Belo Horizonte resultou na morte de dois policiais, mas marcou a mudança na forma como o exército lidava com a questão. As torturas se sofisticaram e os “suicídios” aumentaram como consequência. Em 8 de outubro de 1969 o ten. Ailton Joaquim da Polícia  do Exército promoveu a vergonhosa aula de tortura, como se fosse um show para mais de 100 pessoas (p. 362).

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