sexta-feira, 12 de junho de 2020

Resumo do livro "A ditadura escancarada" de Elio Gaspari


GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. 2. Ed. . Rio de Janeiro: Intríseca, 2014.
Parte I – O choque
As ações da esquerda foram supervalorizadas pelo Estado para justificar práticas ilegais de tortura. No início dos anos 1970, países como os Estados Unidos enfrentaram casos de atentados à bomba na casa das centenas. Na Irlanda chegou aos milhares. Nem por isso a tortura virou política de Estado (p. 21).
A ideia defendida por muitos militares brasileiros de que terroristas não teriam direitos, nasceu da Guerra de Libertação da Argélia onde o cel. Jacques Massu a praticava contra os guerrilheiros da Frente Nacional de Libertação – FNL. Até religiosos apoiavam a prática como o bispo de Diamantina d. Geraldo Proença Sigaud (p. 22).
Apesar de acobertaa pelo Estado, muitos torturadores foram premiados com a Medalha do Pacificador (p. 24). Foi comum oficiais afirmarem que se houve torturas, foram casos isolados perpetrados por degenerados, o que na verdade um ato covarde de eximir da culpa.
O torturador vive a tensão de ser descoberto e abandonado pelos superiores que o apoiavam (p. 25). Apesar disso, a tortura era interessante do ponto de vista da progressão de carreira, seja nas Forças Armadas, seja na policia. Sérgio Paranhos Fleury é um exemplo de ascensão meteórica após usa entrada no ramo da tortura (p. 28). A colaboração de médicos, empresários e poder judiciário acabou ajudando no êxito dessa prática. O autor observa que tanto a direita quanto a esquerda viam com maus olhos a confissão. A tortura é feita para levar o indivíduo a uma situação-limite e falar, o que ainda assim o faz ficar mal visto em seu grupo.
Lamarca havia dado fuga a uma capitão brizolista ainda em 1964 (p. 48). Quando Onofre Pinto mandou que ele saqueasse o 4. Regimento de Infantaria, o plano era bombardear o Palácio dos Bandeirantes, entre outros alvos militares (p. 49). O plano acabou nem saindo do papel devido ao fato de os militantes terem sido presos em Itapecerica da Serra. Lamarca fugiu com menos armas que havia planejado e a VPR teve que pedir ajuda a ALN (p. 49-50). A partir dessas prisões, a repressão foi entendendo o funcionamento dos grupos armados. Metade das armas roubadas foram recuperadas (p. 51).
O MR-8, apesar de pequeno e facilmente desarticulado, tinha em seus quadros uma figura interessante. Jorge Medeiros do Valle, chamado também de “Bom Burguês”. Ele trabalhava no Banco do Brasil e desviou mais de dois milhões de dólares (p. 51). Parte desse dinheiro foi para o seu grupo e o PCBR.
Sobre o dinheiro: “Um pedaço, que pode ter variado de 800 mil a 1 milhão de dólares, foi entregue a um diplomata argelino. Outro estimado entre 250 mil e meio milhão, foi depositado na Suíça. Assim, algo entre 1 milhão e 1,6 milhão de dólares ficou no Brasil. É certo que um espertalhão francês embolsou parte da poupança externa do grupo (56).”
Nem Ana Capriglioni ou os herdeiros de Ademar deram queixa do dinheiro. Alegaram que o cofre estava vazio (p. 57). Todos os assaltos a bancos anteriores haviam rendido 450 mil dólares (p. 58).
Apesar de durante a Segunda Guerra Mundial o gen. Ernani Ayrosa da Silva ter sido ajudado por um médico inimigo, ele não guardou uma gratidão pelo gesto de compaixão já que foi um dos articuladores da OBAN (p. 62).
O governador Abreu Sodré participou da inauguração do órgão (p. 63). O governo federal liberou a busca por recursos privados para a montagem do órgão. A OBAN funcionava num bairro de classe média. É de se suspeitar que nenhum morador soubesse do que ocorria ali. Várias empresas contribuíram para o êxito da empreitada. A Ford e a Volkswagen cediam carros. A Ultragás caminhões e a Supergel refeições congeladas (p. 64).
Uma fato interessante citado por Gaspari sobre o período é à respeito dos incêndios nos prédios da Record, Globo e Bandeirantes de São Paulo. Os atos foram imputados a grupos terroristas, mas na verdade pode ter sido um golpe das mesmas para receberem seguro. Walter Clark, diretor-geral da Rede Globo disse: “Para nós, isso foi simplesmente o melhor que podia acontecer” (p. 67).
Os integrantes da OBAN foram escolhidos à dedo entre os piores policiais de São Paulo. Além de matador, Fleury dava proteção a traficante de drogas (p. 67-68). O mesmo ocorria em muitos outros casos. Essas escolhas não eram à toa. A ideia era de que: “Nada melhor que marginais para capturarem outros marginais”. Gaspari chama a atenção para o fato de que:
“O que se apresentava como uma militarização doas operações policiais tornou-se uma policialização das operações militares. O delegado Sérgio Fleury não ficou parecido com um oficial do Exército. Eram oficiais do Exército que ficavam parecidos com ele” (p. 69).
Costa e Silva, além de implacável com ex-apoiadores de Castello e de ter aprovado o AI-5 era, ele próprio, altamente corrupto. Vários de seus parentes receberam benesses em seus governos (p. 73). Apesar de pessoas próximas e o próprio presidente ter percebido que havia algo de errado com sua saúde, o médico da presidência, o cap. Hélcio Simões insistia que o problema era de estafa (p. 80). Em pouco mais de 24 horas, ele perdeu várias vezes a fala e sentiu tonturas. Ele próprio suspeitou estar tendo um derrame, mas as respostas eram as mesmas (p. 81-82).
Quando a situação se deteriorou, na madrugada de 29 de agosto, o gen. Jayme Portella tentou esconder o fato de todos, incluindo a família de Costa e Silva (82-83). Ele foi levado ao Rio de Janeiro com um cachecol na cara para tentar disfarçar o início da paralisia facial. No Palácio das Laranjeiras, Portella foi informado que ele deveria ser levado a uma casa de saúde. No entanto ele optou que o presidente fosse tratado no próprio palácio (idem).
A intenção de Portella era não só impedir que o vice Pedro Aleixo assumisse como também que a substituição de Costa e Silva fosse transitória (p. 84). Em pouco mais de 48 horas Costa e Silva estava incapacitado e ainda assim a farsa foi mantida. Em seguida Portella armou o triunvirato. Carlos Medeiros, o mesmo jurista que havia trabalhado na elaboração da Constituição de 1937, ajudou na legitimação a Junta Militar. Aleixo foi enviado ao Rio de Janeiro onde foi informado da situação e impossibilitado de sair (p. 86-87).
O sequestro do embaixador Charles Elbrick pegou a Junta Militar totalmente de surpresa. Mas o “final feliz” a fortaleceu. O sequestro marcou o ápice e o início da derrocada da luta armada (p. 99-100). A disseminação da tortura começou a amedrontar interessados em  participar da luta armada e também quem já estava envolvido. Virgílio Gomes da Silva foi a primeira vítima fatal de torturas em 1969 (p. 105).
Vendo a deterioração da situação, o gen. Affonso Augusto de Albuquerque Lima tentou viabilizar sua candidatura à presidência. Era um oficial de três estrelas. Passado o sequestro de Elbrick, a Junta voltou a perder legitimidade entre os militares. Garrastazu Médici, general de quatro estrelas próximo de Costa e Silva foi ganhando espaço na corrida presidencial. Inicialmente disse que não queria ocupar o cargo, mas rapidamente foi mudando de ideia (p. 122). Médici não tinha histórico de se envolver em sublevações. Mesmo no golpe de 1964, aderiu de última hora. Foi o famoso “comendo pelas beiradas”.
Parte II – A derrota
Para o autor o “Manual do Guerrilheiro Urbano” de Marighella era mais m panfleto propagandístico do que um manual de luta (p. 144). Ele tinha ótima imagem no exterior, tendo chegado a receber oferecimento de auxílio de Godard e Miró (p. 147).
Enquanto que a caçada de militantes de esquerda se tornava cada vez mais feroz, a contra os corruptos patinava. A Comissão Geral de Investigações criada pelo general Oscar Luiz da Silva tinha aberto 1500 processos, no entanto somente seis fora concluídos (p. 162).
No segundo semestre de 1970 os grupos armados estavam eliminados ou desarticulados no meio urbano.  O autor diz que: “Dentro do raciocínio funcional, a morte do preso chegava a ser uma inconveniente para as investigações” (p. 174). Mais à frente ,Gaspari informa:
“A inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão politica passava a exigir mais que silêncio ou tolerância. Tratava-se de encobrir homicídios por meio de versões insustentáveis, pondo em funcionamento uma nova engrenagem. De um lado o porão demonstrava força impondo usa mordaça à oficialidade e ao aparelho judiciário. De outro, ampliava seu contenciosos com a sociedade e transformava a tortura numa linha demarcatória entre o repúdio e o apoio ao regime” (p. 175).
O apoio do Estado à repressão era geral. Até Chagas Freitas, o único governador de estado do MDB apoiou, através da construção do prédio do DOI da Guanabara (p. 179). Gaspari cita que: “ Repetia-se no DOI o efeito genético da OBAN, misturando-se informações, operações, carceragens e serviços jurídicos” (p. 182).
A briga de egos entre os torturados era um problema. Waldyr Coelho se desentendeu com Fleury, que foi tirado do DOPS, mas se aliou ao CENIMAR e continuou na atividade, sendo reabilitado anos depois. Brilhante Ustra foi mandado para a seção de informações do II Exército mesmo tendo sido reprovado no exame psicotécnico (p. 189).
Com “know how” britânico, foi criado na Guanabara um setor que se concentrava na tortura psicológica e física sem deixar marcas. O método era usado em presos de menor importância, quando não havia tanta pressa na confissão. Porém, via de regra pernameceu a aplicação de abusos mais pesados como os choques e o pau-de-arara (p. 192).  A máquina da tortura criou anomalias dentro das Forças Armadas como o atropelo de patentes.
Para Gaspari, além do fantasma da tortura, a repressão, a elitização do movimento e o foco numa “elitização do proletariado” ao invés da volta da democracia foram os fatores causadores da derrota da luta armada (p. 197). Os setores moderados tendiam a buscar apoio da Igreja Católica e do MDB.
Mesmo pequena, a guerrilha se mostrava preparada. Ou talvez fosse o aparelho estatal que tivesse despreparado... A fuga de Lamarca e seus homens do Vale do Paraíba, cercado por mil e quinhentos militares é um exemplo. A proporção era de 80 soldados para um guerrilheiro. Esses homens enfrentaram as Forças Armadas duas vezes, matara um tenente e roubaram um caminhão militar, tendo rendido os seus ocupantes e os deixados de cueca. Isso sem contar o fato de que foram delatados várias vezes pela população local (p. 205).
Havia uma euforia com o crescimento econômico. Citando Helen Shapiro, Gaspari registrou que: “Um em cada dois brasileiros achava que o nível de vida estava melhorando, e sete em cada dez acreditavam quem 1971 seria uma ano de prosperidade econômica superior a 1970” (p. 213). A repressão à imprensa, que entre 1964 e 1968 ainda era pequena aumentou, chegando ao ponto de José Sette Câmara, primeiro governador da Guanabara e diretor do Jornal do Brasil ser preso (p. 217). Niomar Moniz Sofré Bittencourt dono do Correio da Manhã foi preso, assim como o dono do Jornal do Brasil por ter criticado o governo no México. Ainda assim, surgiram jornais alternativos como o Opinião e o Pasquim.
Parte III – A vitória
Gaspari abre dizendo que “[...] a erosão da estrutura institucional da sociedade brasileira  chegara a um ponto em que só restava a Igreja como força política capaz de se mobilizar em defesa dos direitos humanos” (p. 230).
JK apoiou não só o golpe como a cassação de membros do seu partido, achando que o seu caminho para 1965 ficaria mais fácil. Ledo engano. Em junho já havia perdido o seu mandato (p. 231). Lacerda agiu de forma semelhante e teve o mesmo fim. O Congresso teve 281 parlamentares cassados. Isso praticamente inviabilizava a existência de uma oposição (idem). 65 professores universitários foram demitidos, indo de comunistas como João Batista Villanova a conservadores como Eulália Lahmeyer Lobo (p. 233). Caio Prado Júnior, sexagenário, ficou mais de uma não preso por causa de uma entrevista no Revistão da Faculdade de Filosofia da USP (p. 234).  Antes do AI-5, os atos de tolhimento da liberdade tinham prazos.
No campo econômico, Delfim Netto centralizou ainda mais a cobrança de impostos no governo federal, deixando os estados e municípios reféns de Brasília. O empresariado lucrava, mas foi desmobilizado. A FIESP por exemplo perdeu importância (p. 240).
Sobre a participação da Igreja Católica, d. João Resende Costa abençoou sob sigilio a rebelião de Magalhães Pinto (p. 241). Vários padres parlamentares faziam oposição raivosa a Jango e mesmo com grande parte da Igreja apoiando o golpe, ficava caro que não estavam dispostos a fazer isso por muito tempo (p. 243). Os dominicanos tiveram participação ativa na resistência ao golpe até serem pegos em 1968.
A ala progressista sofria. D. Hélder Câmara, influente nas camadas populares do Rio de Janeiro foi transferido para Recife-Olinda dias antes do golpe. Ele, que fundou a CNBB, ficou isolado.
A expulsão do padre-operário belga Pierre-Joseph Wauthier fez com que o cardeal Agnelo Rossi, então presidente da CNBB se recusasse a receber a Ordem Nacional do Mérito (p. 256). A ala conservadora foi perdendo espaço e a CNBB se colocou totalmente contra o AI-5.
Em 1969, o padre Antônio Henrique Pereira Neto, muito próximo de d. Hélder Câmara foi assassinado no Recife. Tentaram desonrar o mesmo ligando a drogas e a homossexualidade (p. 264). Porém, a caminhonete usada no crime era da policia e a mãe do padre foi ameaçada (idem). A CNBB condenou o fato mas não com a veemência necessária. Houve elementos como o ex-seminarista Leonildo Tabosa Pessoa e outros religiosos de direita que ajudavam o DOPS na montagem de documentos (p. 272).
Nos Estados Unidos, foi criado o American Committee For Information On Brazil para divulgar as torturas. Com a contribuição de Miguel e Violeta Arraes foi criada também a Frente Brasileira de Informações (p. 276).Os dados vinham da Igreja e de organizações de combate ao regime.
Ao governo restava as ridículas acusações de que os repórteres e meios de comunicação estrangeiros estavam à serviço do comunismo. Através das mãos do cardeal canadense Maurice Roy chegou ao papa Paulo VI um dossiê sobre as torturas cometidas pelos militares (p. 280). Apesar de sua postura covarde durante a Segunda Guerra Mundial, Paulo VI se reuniu com d. Hélder Câmara e condenou de forma veemente a tortura. Aos militares restou a censura sobre o fato (p. 282). Entretanto, a ala conservadora ainda se manifestava. D. Agnelo Rossi por exemplo criticou o envio de informações para o exterior, dizendo que “Havendo-se roupa suja, lava-se em casa” (p. 283).
Ironicamente foi a imprensa, o setor acadêmico e alguns parlamentares estadunidenses que fizeram as críticas mais contundentes ao regime no exterior. Por interesses econômicos (venda de caças Mirage ao governo brasileiro), o ministro do interior francês mandou recolher obra sobre Marighella. O resultado é que ela voltou ao mercado com o patrocínio das 21 maiores editoras francesas (p. 290).
Na tentativa de melhorar a sua imagem, o governo lançou mão dos “arrependidos”, que gravavam depoimentos para emissoras de televisão dizendo se arrependerem de terem entrado na luta armada e que não foram torturados. Alguns foram obrigados a darem esses depoimentos, tendo havido caso de suicídio logo após a soltura (p. 293). Outros dizem que de fato se arrependeram.
Internamente, Nelson Rodrigues, apoiador dos militares, faia o que podia em suas colunas para atacar d. Hélder Câmara (p. 297). O SNI divulgava no Brasil e no exterior o fato de na juventude d. Hélder ter sido integralista (p. 298), fato que pelo menos na Escandinávia parece ter dado efeito já que, contrariando as expectativas, ele não venceu o Prêmio Nobel.
Mesmo com as campanhas financiadas por governo, industriais, comerciantes e latifundiários para melhorar a imagem do país, as estratégias não funcionavam. Sean MacBride da Anistia Internacional passou a pressionar o país. A eleição de Allende e o assassinato de Dan Mitrione fez com que o governo estadunidense se tornasse ainda mais conivente com os crimes dos militares.
O governo continuava a agir impunimente. Jarbas Passarinho assumia a tortura, mas tratava como uma exceção de desequilibrados. Entrou em cena Hélio Bicudo, que conseguiu provas mais do que suficientes contra o delegado Fleury, mas passou a receber ameaças de morte, e até mesmo pressão do governador Abreu Sodré (p. 321).
A tortura havia se tornado prática tão comum que passou a atingir o próprio Exército. Treze soldados foram torturados, sendo que quatro morreram pelo fato de terem fumado maconha no quartel. O crime ganhou repercussão, mas os envolvidos tiveram penas brandas (p. 324-328).
Marcelo Rubens Paiva, ex-deputado federal com tímida atuação contra a ditadura foi brutalmente assassinado e de nada adiantou a mobilização do MDB e da OAB para descobrir a verdade e encontrar o seu corpo. Ficou valendo a absurda versão oficial de resgate enquanto era transportado por agentes.
D. Evaristo Arns, líder da ala progressista da Igreja foi expulso de reunião com o presidente Médici após questioná-lo sobre a tortura de presos.
No final de 1970 a maioria dos militantes estava presa ou exilada. Para os que continuavam, a luta era mais um dever moral para com os que morreram ou foram presos.
Logo após os golpe, cabo Anselmo se refugiou na embaixada do México e conseguiu asilo. Estranhamente desistiu e entrou para a AP, tendo sido preso em seguida (p. 350). Foi mandado para o DOPS e depois para a delegacia do Alto da Boa Vista onde passou a ajudar em atividades burocráticas e na cobrança de propinas em casas de jogo e bocas de fumo (idem).
Em 1966 a AP o “libertou”. Mesmo com esse histórico foi enviado para treinamento em Cuba. Voltou em 1970 na VPR e em maio de 1971 foi preso, sem que se soubesse de sua identidade. A partir daí, passou a trabalhar de forma mais ativa para o DOPS. Na VPR seu nome era Jonatas, no órgão da repressão era Kimble (p. 353).
Além de entregar companheiros, analisava depoimentos e ajudava na construção das perguntas. Várias foram as pistas deixadas por ele de que ele era um traidor. Dois integrantes da VPR sumiram depois de se encontrarem com ele. Um torturador revelou a uma vítima e até o próprio Anselmo revelou isso a um colega. Essas noticias chegaram a Chile, mas foram ignoradas (p. 353-354).
Em Recife ele infiltrou um subordinado de Fleury e graças à essa contribuição, seis integrantes foram brutalmente assassinados, entre eles, Soledad Barred Viedma, companheira de Anselmo e grávida, foi uma das vítimas.
Anselmo não foi o único traidor. O PCB, a ALN, a VPR e o Molipo sofreram com isso. João Henrique Ferreira de Carvalho por exemplo, foi o responsável pela morte de quase dez integrantes da ALN (p. 355). Houve casos também de traições dentro da família como foi o caso de José Carlos da Mata Machado, morto devido à denúncia de seu cunhado (p. 398).
Parte IV – A gangrena
O envolvimento de militares no crime se tornou uma constante. Agiam junto com policiais e o contrabando era o setor de maior interesse. Um exemplo do grau de corrupção é que o sargento Euler Moreira de Moraes conseguiu acumular em pouco tempo dois apartamentos, oito casas, dois carros, uma loja e um sítio (p. 375). Ele juntamente com outros militares chegaram a ser presos numa investigação da Policia Federal e do SNI. Eles alegaram que foram torturados durante os depoimentos e foram absolvidos (p. 380).
O cap. Aílton Guimarães, que em seu teste de aptidão havia sido considerado ideal para combater a subversão e a corrupção se tornou o “imperador da contravenção”, dominando o jogo do bicho em grandes extensões do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Era padrinho da escola de samba Unidos da Vila Isabel e chegou a presidir a LIESA (p. 382)
Era questão de honra para os militares impedirem a prisão de Fleury. Eles se mobilizaram para mudarem a lei, permitindo que réus primários, com bons antecedentes ficassem livres mesmo depois de condenados, enquanto aguardavam recurso (idem).
Citando Amílcar Lobo, Gaspari aponta que teria sido Orlando Geisel quem deu ordem para matar banidos que ousassem voltar clandestinamente ao país (p. 386). Essa politica começou a ser colocada em prática pelo CIE em 1971, órgão sob a liderança do gen. Milton Tavares de Souza, o “Miltinho”, aliado incondicional de Geisel (p. 387-388). Entre 1971 e 1974 198 militantes foram assassinados. Desses, cinquenta morreram antes dos 25 anos de idade (p. 394).
A primeira investida contra os guerrilheiros do Araguaia em 1972 contava com mais homens do que as três primeiras enviadas à Canudos e ainda assim fracassou.  A segunda expedição em 1973 foi integrada por homens com treinamento na selva e receberam instrução de não deixar sobreviventes (p. 408-409).
Oswaldão impunha respeito. Ao mesmo tempo em que era temido pelos militares, também era uma meta pegá-lo. Quando o camponês Arlindo Vieira, de apelido Piauí, matou Oswaldão, seu corpo foi pendurado num helicóptero se soltou e foi recolocado. Depois da exibição, seu corpo foi decapitado (p. 414).
Os guerrilheiros tentaram se aproximar da população local, mas não informavam com clareza o que pretendiam, nem mesmo informavam com clareza o que fingiam fazer ali. Existem duas versões para a descoberta do grupo. A primeira de que Peri (Pedro Albuquerque), capturado em Fortaleza com a esposa teria entregado informações sob tortura. A segunda, é de que Regina, esposa de Lúcio Petit da Silva estava doente e ao voltar para São Paulo fez a denúncia por pressões familiares (p. 422). Os guerrilheiros ficaram alertas, mas nem tanto. Quando foram descobertos, não estavam na força máxima. Faltavam mais 13 pessoas, para se juntarem às 71 já presentes na região. Os depósitos de comida e armas também não estavam totalmente abastecidos (p. 424-425).
João Amazonas foi avisado da presença de militares quando estava em Anápolis e voltou para São Paulo (p. 426). Enquanto isso os militares aterrorizavam a população local com prisões e torturas indiscriminadas. A violência, somada ao oferecimento de recompensas, fez com que os guerrilheiros aos poucos fossem sendo descobertos (p. 430). Após a violência, o governo tentou “reconquistar” os moradores enviando médicos e participando da intermediação para que os fazendeiros garantissem direitos trabalhistas aos seus funcionários (p. 431).
A vitória de 1972 e a tomada de um posto policial em Marabá, fez com que os guerilheiros adquirissem uma perigosa autoconfiança. Oswaldão sugeriu a criação de uma rota de fuga, mas foi voto vencido (p. 442). Em 1973, Curió se infiltrou na região.
Mais de 300 moradores da região foram presos e a maioria barbaramente torturada (p. 446). Alguns tiveram bens roubados por militares sob a alegação de que haviam colaborado com os guerrilheiros (p. 448). Seis famílias acabaram aderindo à luta (p. 450).
Assim como em Canudos e no Contestado, os guerrilheiros do Araguaia foram taxados de “fanáticos” e foram degolados. Mesmo tendo jogado folhetos na selva informando que poupariam os que se rendessem, eles executaram quem o fez, com exceção dos moradores da região que se envolveram na luta (p. 467). A última guerrilheira a tombar foi Walkíria Afonso Costa, ex-aluna da FAE/UFMG em 25 de outubro de 1974 (p. 469).
O saldo final da barbárie foram 59 integrantes do PC do B mortos e 10 moradores do Araguaia totalizando 69. Enquanto que os integrantes do PC do B foram homenageados e as famílias foram indenizadas, os moradores do Araguaia vitimados mal são lembrados e muitos familiares ainda lutam para receber algum tipo de indenização (p. 470).
A mitificação da guerrilha foi enorme por parte do PC do B. Os jornais do partido divulgavam vitórias dos combatentes quando eles já havia sido exterminados. Somente em 1976 foram admitidos “retrocessos” (p. 471).
O Estado agiu de forma totalmente clandestina. Não foram gerados IPM’s, denúncias formais ou sentenças judiciais (p. 444).  

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